Em 2007, o pequeno Rafael Gonçalves assistia a uma aula na escola quando um homem entrou em sua sala para oferecer aulas gratuitas de tênis. Aos 12 anos o morador de São Miguel Paulista, extremo leste da capital, não tinha a menor ideia do que era esse esporte.
Leia também: Derrotado por Djokovic, espanhol perdeu despedida de solteiro por semi
“Eu nunca tinha jogado tênis e nem sabia as regras. Meu irmão foi, fez aula, gostou e falou ‘Rafael, vamos jogar. Você não quer vir comigo?’. Eu sou mais velho, tinha que mostrar ali que eu jogava melhor que ele, então eu fui e foi amor a primeira vista, foi pegar a raquete e bater e falar ‘É aqui que eu vou ficar’ e graças ao Instituto eu tive o primeiro contato com o esporte”, contou Rafael em entrevista exclusiva ao IG.
O Instituto ao qual ele se refere é o da ex-tenista número um do Brasil, Patrícia Medrado. Fundado em 1998, o Instituto Patrícia Medrado não tem como objetivo principal formar atletas para o tênis profissional, mas tem uma preocupação mais humana.
“A gente tem dois seguimentos: capacitação de professores em escolas públicas para inserção do tênis nas aulas de educação física (com doação de aparelhos) e o ‘Descobrindo Tênis’ que é um segmento de atendimento direto [que o Rafael participou]”, conta a própria Patrícia. “Nosso foco é transformar pelo esporte, desenvolver as potencialidades, é mudar o destino”.
Com a ajuda do Instituto e numa parceria com a Federação Paulista de Tênis ele se federou e começou a competir. Foi aí que a sua vida começou a mudar. “Quando eu tinha 15 anos, depois de um jogo fui convidado pelo pai do meu adversário, que era diretor do Clube Experia, a treinar lá e entrei em contato pela primeira vez com pessoas que estavam para ir para os EUA com bolsa esportiva”.
Rafael não sabia que era possível estudar e jogar tênis nos Estados Unidos. Ao descobrir essa nova porta, ele resolveu se dedicar ao máximo para alcançar o seu maior objetivo: estudar engenharia de aviação.
Leia também: Veja as medalhas para os Jogos Pan-Americanos 2019 que acontecem no Peru
Aproveitava as duas horas que levava dos treinos para casa e iniciou seus estudos de inglês com materiais próprios e aulas grátis na internet. Em seis meses ficou fluente no idioma e quando prestou o exame do Toefl (de proficiência), teve a terceira melhor nota do Brasil.
Com a ajuda de Patrícia Medrado, Rafael entrou em contato com a agência Daqui pra Fora , que ajuda jovens brasileiros a estudar em outros países com bolsas de estudo, e seu destino foi a Chowan University , na cidade de Murfreesboro, na Carolina do Norte. Lá ele estudou matemática.
Durante sua permanência nos Estados Unidos sua maior dificuldade foi a financeira. Além de competir pelo time da faculdade e viajar para diversos estados e até para o Canadá, precisou dar aulas de tênis durante as férias para se manter e no fim teve uma ajudinha para se formar.
“No último ano, quando eu estava para me formar, começou um dilema ‘cheguei até aqui e não vou conseguir me formar’. Sempre fui muito honesto com a faculdade sobre a minha situação e eles me ajudaram”, conta ele.
“Três dias para eu me formar eu fui ao financeiro e falei ‘Ferrou, não vou me formar. Não tenho dinheiro’. A dívida era alta, dez mil dólares e eu tinha que pagar. Ele me respondeu ‘A Rafael, vou imprimir um papel e vamos ver o que você precisa pagar’. Aí ele jogou o papel na mesa e falou ‘Você tem que pagar isso aqui’. Tava lá minha dívida de dez mil e um depósito de dez mil. A faculdade me deu o dinheiro para eu me formar”, diz alegre.
Rafael deixou sua marca em Chowan, levando a faculdade pela primeira vez até os jogos nacionais universitários , foi orador da turma e por causa dos seus esforços e excelentes notas conseguiu uma bolsa 100% para cursar o mestrado em engenharia mecânica, curso que tanto sonhou, na Virgínia Tech.
Sobre sua trajetória ele tem uma única definição. “Todos os perrengues me educaram para quando eu chegasse lá pensasse ‘ainda tem como’. E acho que isso foi mesmo o tênis e o esporte. Eu creio que o esporte é um dos melhores educadores na vida de uma pessoa, de uma criança”, comentou.
Sentimento de gratidão
É comum nos Estados Unidos os alunos se formarem nas universidades e devolverem o apoio que receberam e Rafael reconhece essa ajuda. “Lá eu quero fazer doações. As bolsas vêm de doações dos ex-alunos, a faculdade investe esse dinheiro e os juros geram as bolsas. Então eu quero abrir uma bolsa para devolver o dinheiro que eles me deram para outras pessoas”.
E no Brasil ele também tem planos. “Uma das maneiras [de retribuir o Instituto] é falar com a galera, mas no futuro eu quero retribuir tendo o meu Instituto, ou algo assim, que liga o esporte com educação para criar cidadãos e pessoas do bem”.
Leia também: Campeão com o SP na Copinha, Gabriel Novaes visita projeto social
Acompanhando atentamente toda a entrevista, Patrícia falou orgulhosa dos feitos de Rafael. “A gente acha essa história muito linda, porque é isso que a gente acredita no Instituto, é o poder do esporte como meio de transformação social”, disse a dona do Instituto de tênis .