Se o VAR (sigla em inglês usada para designar "árbitro assistente de vídeo") tivesse mãe, coitada dela. Seria alvo do carinho nada polido do torcedor brasileiro. Seja por atrapalhar a fluidez da partida ou mesmo por, não raro, frustrar o orgásmico grito de gol nos estádios. Se os problemas se limitassem a esses, tudo seria uma questão de adaptação. Ou de reformulação.
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Ocorre que o VAR tem pecado exatamente naquilo que ele se propôs resolver: os famosos erros no futebol – muitas vezes confundidos pelo torcedor como “roubos”. Ou seja, a polêmica futebolística ganhou um novo e decisivo ingrediente que apimenta as discussões nos bares e redes sociais.
Agora, povoa o imaginário do arquibaldo que vê seu time ser prejudicado em campo o seguinte raciocínio: "não bastasse ser roubado pelo árbitro, agora somos assaltados pelo VAR".
No domingo 21, durante a partida entre Corinthians e Flamengo em São Paulo, pelo Brasileirão , o jogo estava 1×0 para o time da casa quando, após um rebote do goleiro Cássio, o atacante Gabriel empurrou a bola para as redes. O bandeirinha assinalou impedimento, situação que sempre é checada pelo VAR em caso de gol. O cronometro marcava 39 minutos do segundo tempo, o auge da tensão em uma partida com placar magro.
O árbitro aguardou cinco minutos e quinze segundos para confirmar que o atacante não estava impedido. Muito acima da média de um minuto para revisões que a CBF e a Fifa colocam como meta. Dessa forma, o eixo da ação foi da bola para o apito, com uma torcida que comemorou uma decisão de um juiz e não um gol.
Durante a Copa América , a partida entre Colômbia e Chile pelas quartas de final também causou alvoroço na torcida. Aos 15 do primeiro tempo o chileno Aránguiz abriu o placar. Dois minutos depois, o gol foi anulado por um impedimento milimétrico logo na origem da jogada, nove toques na bola antes dela ser empurrada para a meta. Não houve explicação no sistema de som no estádio, ou replay no telão.
Quem acompanhava nas arquibancadas só descobriu o que foi marcado ao olhar na internet ou ouvir pelo rádio, prejudicando bastante a experiência. Em ambos os lances as marcações foram inegavelmente corretas. O problema é quando, mesmo quando o VAR atua, há dúvidas. Ou erros.
Você viu?
É incontestável uma mão esticada dentro da área ou um jogador em posição de impedimento, mas uma disputa entre dois jogadores que termina com um deles no chão pode ser lance normal para o juiz de campo e falta para o vídeo. São os lances interpretativos que geram mais tumulto.
Tanto que foi um gol do Vasco contra o Grêmio, na 10ª rodada, que causou mais indignação. Muitos toques antes da finalização, o atacante Rossi protegeu a bola com um braço levantado que atingiu o marcador gremista. O juiz mandou seguir e o time marcou um gol, o VAR mandou voltar – indecisão compartilhada entre todos os espectadores.
No jogo seguinte, contra o Fluminense, o Vasco foi beneficiado com duas expulsões rigorosas do time adversário, em que o árbitro sequer consultou o VAR. Foi o suficiente para ensejar toda a sorte de teorias de conspiração.
Tostão ensina
A CBF e outras confederações não têm motivo algum para abandonar o árbitro de vídeo . O lema para a situação é “interferência mínima para benefício máximo”. Se as decisões forem mais rápidas, porém corretas, não há o que questionar.
Leonardo Gaciba, presidente da comissão de arbitragem da CBF, divulgou, em levantamento na Comissão do Esporte da Câmara dos Deputados, que nas primeiras nove rodadas do Brasileirão 2019 o VAR corrigiu 42 lances capitais – gols, expulsões, erros de identificação e pênaltis.
A entidade contabiliza 91,4% de acerto nas marcações de pênalti com VAR contra 57,4% sem o auxílio do vídeo. A CBF não disponibiliza explicações sobre as decisões tomadas em campo, e muito menos aponta publicamente quando há erros.
Segundo a entidade, os juízes recebem feedback através do sistema de avaliação e aprimoramento. Isso é feito de forma interna, para “melhorar pontos sensíveis, sem exposição inadequada”. O problema, então, parece ser o uso em jogadas interpretativas.
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O ex-jogador e cronista Tostão declarou recentemente que "interpretação não é fato", sugerindo que o VAR deveria corrigir apenas os lances em que há a limitação do árbitro e dos auxiliares. Para ele, e para quase todo mundo, “não parar de interpretar” acaba atrapalhando o jogo. É o óbvio ululante – nem o VAR ousa discordar.