Encerramos o texto anterior , a propósito da profissionalização dos árbitros de futebol, convidando os leitores a refletir sobre a remuneração e a dedicação exclusiva à atividade, algo pleiteado reiteradamente pelas entidades representativas da arbitragem.
Passarei a seguir a alguns pontos ilustrativos que expõem com muita clareza o tamanho do problema, bem como a visão do Legislativo e do Judiciário sobre o tema.
Por exemplo: à época da Medida Provisória que se transformou na Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte (11.155/15), foi levantada a possibilidade de participação dos árbitros nas receitas provenientes do Direito de Arena (consistente na prerrogativa exclusiva das entidades de prática desportiva de negociar, autorizar, proibir a captação, a afixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo que participe). Todavia, os árbitros viram o dispositivo ser vetado.
Outro registro importante: em Ação Civil Pública motivada pela reclamação da Associação Nacional dos Árbitros de Futebol (ANAF) e do Sindicato dos Trabalhadores e Colaboradores da Arbitragem Esportiva do Rio de Janeiro (SINTRACE-RJ), julgada recentemente, a CBF foi condenada, em resumo, a se abster de negociar contratos de patrocínio para os uniformes dos árbitros e assistentes sem sua autorização e participação de sua entidade representativa de âmbito nacional, sob pena de multa de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) por contrato firmado.
A CBF também foi condenada a distribuir aos árbitros e auxiliares remuneração referente a percentual não inferior a 50% (cinquenta por cento) dos valores recebidos em relação aos patrocínios negociados em seus uniformes. Além de danos morais coletivos no importe de R$2.000.000,00 (dois milhões de reais).
O processo tramita sob sigilo, razão pela qual as informações atuais do andamento do processo ficam prejudicadas. Em nota, a CBF anunciou que iria recorrer da decisão e se manifestou otimista com a mudança do entendimento pela Justiça.
Há um aspecto muito importante na decisão contrária aos interesses da CBF.
Diferentemente do direito de arena, o “direito de imagem” é um direito fundamental, personalíssimo e inviolável, tendo sido garantido pela Constituição Federal o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Além disso, a Constituição também protege às participações individuais em obras coletivas e a reprodução da imagem e voz humanas nas atividades desportivas.
Por esse motivo, o magistrado que proferiu a sentença entendeu que a CBF explora de maneira abusiva a imagem dos árbitros ao firmar contratos com terceiros para exposição das logomarcas nos uniformes utilizados por eles, sem qualquer repasse de valores, aos que, de fato, o utilizam (árbitros e assistentes).
Apenas a título ilustrativo, no site da CBF é possível encontrar uma relação de árbitros, assessores, assistentes, inspetores e tutores. Neste elenco de 693 pessoas, 223 são árbitros e somente 12 deles são categorizados como árbitros FIFA, ou seja, menos de 10% do contingente de árbitros brasileiros.
Em que pesem todos os esforços da CBF e demais entidades do futebol, os dados e as informações acima evidenciam que a crise da arbitragem brasileira não é apenas técnica.
É preciso dedicar mais tempo ao tema e realizar mudanças. Cursos de capacitação, treinamentos, como os realizados para utilização e aplicação do VAR (Árbitro de Vídeo Assistente) na final da Copa do Brasil de 2018 e seminários não são suficientes para que possamos ver encorpados os números de juízes de “padrão FIFA” no futebol brasileiro.
Também é essencial que os “homens (por que só homens, aliás?) do apito e da bandeirinha” tenham melhores condições de trabalho, pois são fundamentais e, muitas vezes, decisivos durante uma partida.
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