Lembro de jogar International Superstar Soccer no meu Mega Drive e ficar encantado com a Colômbia. O meu apreço pelo selecionado sul-americano era porque o Murillo, o camisa 10, tinha um cabelo grande e amarelo diferente dos demais. O jogo saiu em 1995, à época, era a minha maior conexão esportiva até eu começar a assistir partidas de futebol na TV e, posteriormente, praticar o esporte.
Até hoje, quando vou jogar algum jogo de videogame, o futebol é o meu top 1. Além do Mega Drive, tive o PlayStation 2 e PlayStation 4. Joguei todos os FIFAs e Winning Elevens possíveis até perceber, na minha fase adulta, que a relação custo-benefício já não estava mais me agradando, portanto, parei em 2021 de gastar meu suado dinheiro na franquia de jogos FIFA. Entendi que era mais do mesmo. E depois desse momento, eu tive um longo hiato com os games, até um dia desses, quando tive uma vontade nostálgica de jogar o PES Legends 2.
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E é agora que você começa a entender o que eu quero dizer.
Antes, um rápido resumo: PES Legends 2 é uma modificação do Pro Evolution Soccer (sucessor do Winning Eleven), de 2006, da Konami. Esse jogo reúne as seleções e times históricos do futebol, como o Santos do Pelé, Botafogo do Garrincha, Barcelona do Maradona, Real Madrid do Di Stefano, Inter de Milão do Ronaldo Fenômeno e por aí vai. E sim, tem o Bobby Charlton. Principalmente na Inglaterra de 66 e no histórico Manchester United.
Bom, você já sabe do que estou falando. Quem consome qualquer conteúdo esportivo nas redes sociais viu nas últimas semanas que o Endrick virou alvo por ter comentado em uma entrevista que Charlton era um dos ídolos de sua infância. A internet ficou espantada e apontou para uma artificialidade do jogador. De primeira eu achei estranho, realmente, mas olhei mais a fundo e tive outras percepções que só foram possíveis olhando os detalhes de onde o atual jogador do Real Madrid tirou isso.
Se observarmos o motivo, ele conta que Bobby Charlton sempre foi um jogador presente em seu time no Ultimate Team do antigo FIFA e atual EA Sports. Sendo o Ultimate um modo de jogo que o gamer vai montando seu time com jogadores disponíveis no jogo, incluindo os ícones/lendários, como Pelé, Maradona, Ronaldo e Bobby Charlton. Ou seja, o Endrick sabe quem é o inglês porque a sua experiência de entretenimento proporcionou isso.
Isso é um sintoma atual. A minha coluna que mais bombou neste espaço falou justamente sobre o panorama da cultura de consumo do jovem no esporte . Há um desinteresse perceptível e comprovado via dados. Por exemplo, se destacarmos a geração Z, quase 22% dela é desinteressada pelo esporte, segundo dados do YouGov. Mas ainda assim, são ávidos no consumo de “coisas”. Incluindo as “coisas esportivas”.
E onde estarão nossos ídolos?
O ídolo esportivo tem uma habilidade ímpar de cativar, inspirar, influenciar e uma de carregar tantos outros verbos no infinitivo que estimulem alguma ação. Se não há um mínimo de identificação com os jogadores atuais, por que não buscar no passado alguém para ser fã? Penso que isso é uma alternativa para continuar existindo pessoas que amem o futebol.
Clube primeiro. Seleção depois
E tem mais, outro diagnóstico possível de ser feito neste caso: o selecionado nacional é valioso, mas o clube é mais. Endrick citou nessa entrevista "polêmica", que Jude Bellingham, seu companheiro de clube espanhol, seria melhor que Neymar, numa daquelas perguntar clássicas da eterna e insignificante teima de medir o sucesso de um a outro.
Aliás, Isso não é novo. Alejandro Garnacho, jogador da Seleção Argentina e do Manchester United sempre que possível faz algum movimento de reverência a Cristiano Ronaldo. Isso chamou a atenção, porque perceptivelmente ele prefere o português, ao ídolo argentino Lionel Messi, o que seria uma afronta à lógica nacionalista.
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Isso é reflexo de um mundo globalizado, do qual é possível se conectar com uma pessoa do outro lado do mundo na mesma velocidade em que se acena da janela para um vizinho.
Por fim, a provocação do título: talvez o ídolo da próxima geração só exista no videogame
Se o legado de Bobby Charlton, mesmo em uma versão virtual, proporciona uma experiência esportiva marcante para o Endrick (que fez o seu primeiro gol na seleção e reafirmou isso que estou falando), isso mostra que, primeiro, alguém fez um bom trabalho para que essa conexão atemporal, de um jogador nascido em 1937 e morto em 2023, e um jovem de 18 anos em 2024, tenha acontecido. E segundo, que o futebol ainda é importante o suficiente para que ele busque no passado a figura histórica.
As perguntas que ficam
Neste exercício de brincar de futuro e tentar adivinhar o comportamento das próximas gerações. Quem serão os ídolos do esporte? Os principais estarão realmente no futebol?
Porém, a minha principal dúvida é: será que ainda vão amar e zelar pelo esporte?
*Gilmar Junior é atleta de flag football 8x8 do Brasil Devilz, executivo de marketing na 100 Sports, jornalista, especialista em gestão e marketing esportivo e está se especializando em gestão da experiência do consumidor