Sou um dos sortudos que conseguiu vivenciar a experiência de estar, em duas oportunidades, assistindo a um espetáculo de futebol na La Bombonera, como é conhecido o estádio Alberto José Armando, do Boca Juniors de Buenos Aires. Depois de muito pensar, eu pude chegar a conclusão que o que acontece no país albiceleste é, na verdade, uma aula de como produzir uma experiência marcante ao seu fã.

É difícil explicar, mas a torcida na Argentina é realmente diferente
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É difícil explicar, mas a torcida na Argentina é realmente diferente







Há alguns motivos que eu gostaria de listar aqui. Mas antes é necessário fazer algumas ressalvas. O atual momento econômico da Argentina é muito ruim, o país enfrenta um alto percentual de pobreza . O peso argentino está desvalorizado perante as maiores moedas e a inflação é um problema . Um real vale mais ou menos 165 pesos argentinos, de acordo com a cotação atual (junho de 2024).

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Com a situação explicada, o momento é de lançar o olhar para a experiência esportiva. Importante explicar que ela começa muito antes de qualquer prática ou transmissão na TV. Ela está nas ruas. Visualmente é vista no vestuário dos habitantes de Buenos Aires que ostentam algum artigo esportivo do time do coração ou da Seleção Nacional. Outro fato que chama atenção em Buenos Aires é a diversidade de práticas esportivas. Circulando nas ruas vi um complexo com quadras de padel, esporte baseado no tênis. Um pouco mais a frente algumas meninas com bastões de hóquei sobre grama. Chegando aos bosques de Palermo adeptos da corrida olhavam atentamente o cronômetro para checarem o tempo do treino.

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E a Argentina é diversa. O basquete masculino viveu momentos históricos na geração de Manu Ginóbili e Luis Scola. O tênis com nomes como Gaston Gaudio, David Nalbandian e Juan Martín del Potro. E isso, é claro, sem citar o rugby que possui um projeto de gestão desafiador, que teve que suprir as ausências de rivais na América do Sul. Enfim, não é possível resumir a cultura esportiva argentina somente com o futebol. As ruas de Buenos Aires ajudam a lembrar sobre isso.

E o que tem de diferente aqui no Brasil?

Eu trouxe aqui no blog recentemente, após ouvir Ignacio Villaroel, vice-presidente do River Plate falar na Sports Summit São Paulo 2024, que o clube tinha como sua maior fonte de renda o torcedor, já que as mensalidades vindas dos mais de 350 mil sócios eram responsáveis por manterem o clube competitivo. Isso já produz o sentimento de que os torcedores é que sustentam o clube, gerando um pertencimento ainda maior.

Ignacio Villaroel, vice-presidente do River Plate apresentando os feitos do River Plate
Gilmar Junior
Ignacio Villaroel, vice-presidente do River Plate apresentando os feitos do River Plate



Aqui no país, conhecidamente, a maior fonte de receitas é o repasse referente aos direitos de transmissão. Usando o Palmeiras como exemplo, já que é o time que mais arrecada com sócio torcedor no Brasil (quase R$ 59 milhões em 2023), o clube recebeu um total de quase R$ 183 milhões só pelos direitos de TV.

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O jogo é só um mero detalhe

Sinto que quando olhamos para uma partida de futebol aqui no Brasil a razão é a mais lógica: o resultado da partida. É tão óbvio que chega a ser estúpido eu mencionar isso, porém é necessário para que eu possa explicar a passionalidade enraizada no torcer argentino. A minha primeira experiência ao acompanhar um jogo no meio da torcida do Boca Juniors foi um tanto quanto surpreendente. Ao adentrar ao estádio tomei um susto porque torcedores sobem nas barreiras de proteção, viram de costa para o campo e dali para frente o que importa é viver aquele momento.

É quase uma regra silenciosa:torcedores nas arquibancadas vão para torcer e não para assistir ao jogo necessariamente
Gilmar Junior
É quase uma regra silenciosa:torcedores nas arquibancadas vão para torcer e não para assistir ao jogo necessariamente


Eu me dei conta que os lances dos jogos só eram vistos completos por quem estava vendo pela TV. Dentro de campo não era jogado o melhor futebol do mundo, mas fora dele, parecia que era o último evento da história da humanidade. Após voltar em 2024, consegui assistir a partida de outra perspectiva, em outro setor e vi que mesmo quem gostava de assistir sentado a partida se preocupava na própria alegria em estar naquele momento e não em reclamar de algo. 

Em resumo

Não que no Brasil não tenha, mas ao que me parece, a Argentina conseguiu replicar na cultura esportiva que a paixão em estar ao lado do time do coração é maior que um resultado. Não estou querendo dizer que lá não há cobrança por ser campeão, obter vaga na Libertadores e escapar do rebaixamento. Mas o fato do time não ser campeão por muito tempo não é motivo para deixar de considerar a experiência em torcer.

*Gilmar Junior é atleta de flag football 8x8 do Brasil Devilz, executivo de marketing na 100 Sports, jornalista, especialista em gestão e marketing esportivo e está se especializando em gestão da experiência do consumidor


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