Quando eu tinha 10 anos, lembro de estar no supermercado e passar pelo corredor de condimentos e avistar diversos produtos à base de tomate. Até então, ok, mais um dia normal. Porém, olho na prateleira do meio e os símbolos da Portuguesa, São Paulo, Palmeiras, Corinthians e Santos me chamam a atenção. Eram copos de vidro que continham extrato de tomate, um produto, que até então, eu, criança, não fazia a mínima ideia da necessidade. Mas eu peguei um e enfiei no carrinho de compras dos meus pais. Afinal, quando é que eu teria a chance de ter um item oficial do meu time por um preço tão acessível?
Dando um salto atemporal, mais precisamente março de 2024, com esse blog aqui já bombando, eu entro na Cacau Show para comprar alguns chocolates e me deparo com a imagem acima. Um ovo de páscoa com uma bola de futebol americano e o logo da NFL. Confesso que, mesmo entendendo o processo, entendi que me conectei emocionalmente com aquilo. Uma minibola do esporte que eu pratico há 12 anos, da liga esportiva que eu mais admiro em um ambiente que eu costumava não visitar com frequência, mas que agora, já o percebo com mais atenção quando passo por uma franquia da marca, gerando quase que instantaneamente uma associação chocolate-Páscoa-Cacau Show-NFL.
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Essas duas experiências que eu acabei de descrever aconteceram comigo em situações distintas e com produtos diferentes. Porém, ambas se enquadram dentro de um roteiro comum no licenciamento esportivo, uma parte importantíssima dentro das estratégias de marketing esportivo que envolvem os fãs.
Para explicar mais sobre esse assunto, e entender como essa experiência acontece, eu bati um papo com Bruno Koerich, fundador da Destra, a maior empresa em licenciamento (não só) esportivo do Brasil. E podemos dizer do mundo, já que figura entra as 50 maiores agências de intermediação de negócios em licenciamentos do planeta, via License Global. Além dos inúmeros cases de sucesso como esse da NFL & Cacau Show, a carteira de clientes da empresa conta com Barcelona, PSG, CBF, Flamengo e Corinthians.
Leia as perguntas e respostas abaixo:
1 - Bruno, vamos do início. Como a Destra conseguiu chegar a esse nível alto e importância dentro do mercado de licenciamento em apenas 10 anos de história?
Parece pouco, mas eu trabalho com varejo e produto licenciado desde 2008. Comecei minha jornada de gerente na loja do Avaí. Absorvi muito durante esse tempo e acabei montando a empresa. Quando olhamos para esse número, em termos de agência de licenciamento, estar no top 50 global é muito impactante, ainda mais no ano que fazemos 10 anos.
O tema licenciamento é antigo, mas pouco se fala no Brasil, ainda mais no mercado esportivo. A gente não trabalha somente com marcas esportivas, mas 85% está relacionado ao esporte. Achamos um nicho pouco falado, e por isso, está abaixo da linha do radar. Isso, por um lado, facilita o trabalho, porque a gente não é alvo, porque não é um negócio que mexe com patrocínio, com sócio-torcedor, com contratação de atleta, com direitos de transmissão etc, acaba te dando um espaço e um tempo para você trabalhar.
O que sempre me motivou muito? A gente começou como uma ferramenta para controlar royalties. Aí comecei a conversar com clubes. Me falaram: "se você já controla esse mercado, porque você não gera novas oportunidades de negócios?" Então os problemas no dia a dia dos clubes foram nos moldando para o que somos hoje. O nosso foco inicial foi organizar a área de licenciamento dos clubes. Então, além de ajudar nisso, a gente pode ajudar o clube a criar novos produtos e serviços.
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2 - Se procurarmos no Google teremos uma definição do que é licenciamento. Mas na sua visão de quem está dentro do negócio. O que é, como ele acontece na prática e quando o licenciamento esportivo é efetivo?
O licenciamento é uma plataforma de marketing para ajudar (o licenciado) a se engajar ainda mais com o fã. E digo mais, o dinheiro disso vem como consequência. E sempre quando eu olho para projetos de licenciamento que olham primeiro para o dinheiro, e só depois para o fã, geralmente, esses são os projetos que não dão certo.
A grande maioria das vezes, quem traz a demanda é a indústria que faz o produto. O clube, ou entidade esportiva, ligas etc tem o papel de conhecer o seu torcedor/ fã. Só que isso muitas vezes não é fácil, porque o clube acaba sabendo do hábito de consumo de quando o torcedor vai ao estádio, ou comprando sócio-torcedor, mas o clube não conhece o seu torcedor por completo para saber tudo o que ele consome. Essa pessoa compra caderno? Tem filho? Está na faculdade? Hoje temos algumas ferramentas que buscam esse cruzamento de informação.
3 - Então como surge essa demanda?
Vou citar o exemplo do caderno. Hoje, a indústria que já vende caderno, para determinados lojistas, ou ela mesma têm, como a Kalunga. Ela tem acesso ao consumidor final e sabe o que o cliente está pedindo. Então, isso começa, por exemplo, a criar um cenário em que o cliente solicita. “Tem caderno do time tal?” E com várias pessoas perguntando, isso começa a gerar uma demanda. Isso liga um alerta para a indústria para falar com o time e verificar a possibilidade de vender caderno com a marca do time.
Em algumas vezes, a indústria nem percebeu que existe essa oportunidade. Então, nós batemos na porta da indústria e levamos a informação de que o produto tem demanda. Então, eu falo para esse time conversar com as lojas em que ele já vende o seu produto para ele verificar se eles vendessem um produto específico do time, se o público compraria. E aí gera uma roda de pesquisas que pode mostrar para a indústria se é um caminho viável ou não.
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4 - E como funciona com a pirataria? Como lidar com esse problema já presente no cotidiano?
Se existe a demanda, e não existe a oferta, a tendência é que a pirataria vá ocupar o lugar. A pirataria não tem burocracia. Eles não precisam pedir liberação para ninguém. Ela vai lá e produz. Aliás, coisas que se eu tentar fazer eu não vou conseguir. Eu não consigo juntar no mesmo produto a marca do jogador, a marca do time e a marca do campeonato. Por exemplo: Gabigol, Flamengo e Libertadores. É quase inviável. Já o pirata, não. Ele coloca a bandeira na porta do estádio. E o que você tem a fazer é coibir, fazer uma busca e apreensão. Se há pessoas que querem comprar e os itens oficiais não chegam, fatalmente, vai ter pirataria. E isso é um termômetro do sucesso. Você vê produto pirata de produto que não tem sucesso? Pode ser filme, brinquedo, o que for. Eles vão para cima para surfar na onda certa.
5 - Eu fui a uma loja da Cacau Show e vi o ovo de Páscoa da NFL. Falando da NFL, como vem sendo essa costura de trabalho com a cultura americana?
Falar da NFL é citar de uma das formas mais legais de aprender a trabalhar a conquista de novos fãs. A forma como eles enxergam o mercado e olham para o futuro é algo que eu não vejo muito na prática aqui no Brasil. Em algumas reuniões eles estão falando de 2030.
Então, como é a forma como eles trabalham? É conquista de fãs. Eles querem utilizar da força que eles têm para chegar em outros territórios. Quando eles abrem o mapa de como chegar ao fã, o licenciamento é uma das formas. Ele ajuda no engajamento do fã. Esse exemplo que você citou é o mais legal. Você entrar na loja e ser impactado. Como mensurar a questão da presença da marca? Esse impacto é muito maior do que os royalties em si.
Mas vamos falar do benefício que o licenciamento para gerar na marca? E esse exemplo que você mencionou é o melhor possível. Você entrar na loja e se deparar com o produto. A marca está perto de você. Você não estava assistindo a um jogo, você estava caminhando em uma loja de rua, ou de shopping, e você foi impactado. Eles têm uma série de estratégias e uma delas é o licenciamento. É estar próximo do fã através de produtos. As vezes, ele pode não conhecer a NFL, mas um produto como esse pode ser a porta de entrada. Ou seja, como foi o pensamento da NFL quando levamos o negócio? A NFL pensou em levar mais de 150 minibolas de futebol americano para as casas brasileiras. Para eles, o impacto disso é muito maior do que dinheiro.
Uma coisa que me chama a atenção: a NFL é a liga mais valiosa do mundo. Só que eles têm a humildade de ir atrás do fã.
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6 - Vamos olhar do ponto de vista da experiência. Quando falamos de licenciamento, vemos uma tangibilização da emoção do torcedor, do fã. Como você consegue enxergar essa oportunidade que o público esportivo não está vendo, mas acaba gerando uma materialização de algo físico e palpável que antes era uma emoção?
Nosso dia a dia, 24 horas, é respirando isso. E num clube não é assim. Eles têm várias coisas para pensar ao mesmo tempo. A gente acaba reunindo informação de muito lado, o que proporciona termos uma maior quantidade de dados para dar insights para um monte de coisas. Aí começamos a olhar para um lado que não tínhamos pensado. É muita informação, é muito contrato, são mais de 100 mil produtos dentro da nossa plataforma.
Por exemplo, algumas vezes, clientes me perguntam sobre o licenciamento com a marca X, mas aí quando você faz uma análise, um diagnóstico de venda, público-alvo, chegamos a conclusão que seria melhor ir para o lado Y. Vou dar um exemplo de volta às aulas. Se eu tenho o caderno e a escrita (lápis, caneta, canetinhas etc). O que é que falta? Mochila. Então é muito mais fácil para a empresa que tem mochila, fechar negócio com que já tem esses outros materiais, do que alguém que não tem, para o produto não ficar solto.
7 - Bruno, recentemente você esteve no Sports Licensing & Tailgate Show em Las Vegas, evento de licenciamento esportivo mundial. O que você pode nos dizer das próximas tendências deste mercado?
A feira é a reunião de empresas licenciadas que atuam com marcas esportivas. Elas se concentram para se encontrar com lojistas. Ali são indústrias de mais de uma marca. Tudo quanto é marca esportiva. De Nascar a golfe. Lá tem uma coisa que chama a atenção que é o print on demand, que são aqueles produtos que basta você ter a matéria-prima, como camiseta e moletom. Com essas máquinas eles conseguem imprimir muito rápido e já despacham9 para a casa do comprador. Botafogo está aplicando isso com a Reserva. Acredito que isso é uma tendência e que muitos clubes estão deixando passar.
O esporte tem muito de emoção, de momento. E tem coisa que é legal pra caramba e amanhã já não é mais. Se o clube fizer sempre o rito normal de um licenciamento, de produção de indústria, não vai funcionar. Tem que ter a possibilidade de ofertar o produto logo depois do jogo, de um título, não adianta camisa de título chegar uma semana depois, às vezes demora muito e o time já está em crise de novo. Tem que ser rápido, igual a NBA. Ganhou o título, o site já está pronto. E aqui no Brasil tem a superstição, aí o dirigente do clube fala que se fizer a camisa antes do jogo não dá sorte pra equipe. Isso não existe. Você ganha o titulo com ou sem camisa. Você tem que estar preparado para o fã.
* Gilmar Junior é atleta de flag football 8x8 do Brasil Devilz, executivo de marketing na 100 Sports, jornalista, especialista em gestão e marketing esportivo e está se especializando em gestão da experiência do consumidor