Às vezes eu vou à padaria perto da minha casa, a mais perto de lá ainda não dá para ir à pé, sabe como é né... Para que facilitar se podemos complicar? Quando entro lá na “padoca”, parece que encontro o Paraíso. Quantos pães, quantas opções para matar a fome, mais que isso, matar a fome em grande estilo: croissants, misto-quente, queijo-quente, sonho... ah os sonhos e como a gente sonha...
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Mas o que me faz ir na padaria é o café com leite
, aquele leite cremoso, coloco adoçante porque estou de regime. Aí chega o pão quente com manteiga (não na chapa porque derrete a manteiga e tenho azia) e parece que um mundo se abre em minha frente. É bom demais. Ultimamente não faço isso com frequência, mas quando faço, parece que fica cada vez melhor.
Quando eu era criança, ia bater uma bola com amigos e desconhecidos e como sempre fui baixinho para a média, poucos “botavam fé” em mim. No começo eu ia para o fim da fila, era o último a ser escolhido e me chamavam de “café com leite”. Eu ficava “p” da vida, quando começava a pelada, eu arrebentava, esmerilhava, era uma questão de honra para mim provar para eles, que eu não era “café com leite”.
Ser “café com leite” era repugnante para mim, me ofendia com isso e buscava fazer o meu melhor, jogava acima da minha capacidade, geralmente jogava com moleques mais velhos e eles não aliviavam, vinham um baixinho esmerilhando e metiam a bota, batiam até na alma e eu aguentava as pancadas e ia para cima. No jogo seguinte, eu já era um dos primeiros a serem escolhidos, o que era motivo de orgulho para mim. Eu pensava que na vida tudo seria assim: provar para todo mundo que eu era capaz, ter sangue-quente nas veias, não ser “café com leite”.
O que faz alguém ser considerado “café com leite”? pessoas, adversários, rivais, consideram o oponente fraco, sem brio, sem qualidades para ganhar, abaixo do nível, incapaz, fraco, medíocre e fica até sem graça ganhar dele. Você conhece um time assim? Eu conheço...
Nem imagina que time seja? É, é o São Paulo Futebol Clube
, que quando chegou ao ápice, ao ponto mais alto das cadeia-alimentar, tornando-se o “Soberano” e depois de 10 anos de fracassos sequenciais e frequentes, se tornou o time “café com leite”. Nada gourmet e muito menos trivial. Ou alguém acha que os rivais, especialmente os grandes paulistas, têm medo ou até respeito, o que é pior, pelo São Paulo? Isso acabou, já era, uma história de 90 anos destruída na última década. É o leite azedou.
O clube não tem oposição atuante, aliás nem oposição mais tem, não tem nenhuma cabeça pensante que vislumbre um futuro melhor, uma retomada, a volta à filosofia campeã e vencedora que construiu sua história. O torcedor não aguenta mais passar vergonhas e humilhações, mas ele não joga, apenas torce.
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Se o time contrata uma estrela, ela se apaga automaticamente apenas por entrar no Morumbi, parece que há algo enterrado lá no campo, seria um sapo morto ou apenas a dignidade de uma instituição gigante que é tratada com desprezo pelos adversário e pior, pelos próprios dirigentes, que não pensam no SPFC
e sim em seus interesses próprios. Os resultados colhidos nesse período, são o reflexo do que é feito internamente. Os bons são-paulinos se afastaram do comando do clube, talvez devessem buscar essa retomada com força e garra, para não serem chamados de “café com leite”, igual eu fazia quando criança.
Além de organização, planejamento, torcida, estádio, estrutura, títulos e história, um time grande precisa ter enraizada em suas fileiras, uma filosofia vencedora, não o “tanto faz quanto fez”, o “ganhar e perder dá no mesmo”. Nisso se transformou o Tricolor paulista: um clube sem alma vencedora. O clube perdeu mais da imensa maioria dos clássicos que disputou nesse período, uma vergonha, os rivais já sabem que os 3 pontos estão garantidos, seja em casa ou no Morumbi; nem acham mais graça em vencer os jogos, é algo corriqueiro, virou “carne de vaca”.
O São Paulo virou o “café com leite” da turma. Se ainda fosse, ao menos, um “café com leite” gourmet, sei lá, um cappuccino que impusesse respeito, amargo (nada descafeinado), um café duplo, forte, importado, sei lá...
Como está na moda, o SPFC precisa mudar o mindset de perdedor e conformado, para vencedor e competitivo. Jogadores são “queimados”, os treinadores “triturados” e os dirigentes a cada ano, demonstram sua incompetência. Mais do que parar no tempo e no espaço, como alertou num passado recente Rogério Ceni, o São Paulo perdeu o bonde da história. E além de perder a condução, esse bonde está a ponto de atropelar o clube se dó nem piedade. Vexames e mais vexames se acumulam nesse período recente.
Nesse ano, o Tricolor não venceu nenhum time da 1ª divisão, perdeu os 3 clássicos disputados. É bem verdade que vareio mesmo, levou do Santos, equilibrou os jogos contra Corinthians e Palmeiras, mas de nada adiantou, o resultado foi o mesmo. Algo está faltando, ou não? Seria necessária a maior vergonha da história, o rebaixamento no Brasileirão, para que as coisas entrem nos trilhos? Talvez sim, talvez não. A maioria dos gigantes que passaram por isso, se recuperaram e voltaram a vencer e impor respeito.
Alguma coisa precisa ser feita o quanto antes. A torcida não aguenta mais pagar por um café aguado e leite estragado. Não se trata de ter vontade e raça nos jogos, isso ajuda, mas não resolve. A fórmula do sucesso é inversa à formula do fracasso. Simples assim. Será que não dá para inverter os pólos? Do negativo para o positivo? O Mestre Cuca vem aí, daqui a um mês ele chega no CT da Barra Funda. E me vem a pergunta: será que ele entende alguma coisa no preparo de um bom “café com leite”?
Dica do Narrador : faça exercícios fonoaudiológicos antes das transmissões, exercícios de dicção, respiração e velocidade de fala.