Uma das páginas mais dolorosas movidas pelo fanatismo em torno de uma Copa do Mundo foi escrita há 25 anos. Dez dias após marcar o gol contra que custou a derrota por 2 a 1 da Colômbia para os Estados Unidos (na partida que causou a eliminação "cafetera" no Mundial de 1994), Andrés Escobar era morto a tiros em frente a uma discoteca em Medellín. Porém, as marcas deixadas pela partida precoce do zagueiro de 27 anos persistem entre os colombianos.
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"Bom, têm sido 25 anos muito dolorosos. Mas creio que o mais bonito é que em nenhum momento, Andrés Escobar 'partiu' propriamente. Até hoje, as pessoas se lembram dele, nos confortam. Isto tem a ver com os valores e princípios que ele tinha", constata Santiago Escobar, irmão de Andrés e também ex-jogador.
Contemporâneo de "El Caballero", Rincón também lamenta a ausência do defensor. "Era um cara muito legal, bastante divertido, sem contar tudo o que representava para nós na Colômbia, o "senhor" jogador que era. Um tipo de pessoa que está em extinção".
Companheiro de zaga de Andrés tanto no Atlético Nacional quanto na seleção "cafetera", Luis Herrera confidenciou. "Para mim foi muito dura a morte dele. Cheguei a pensar até em me aposentar na época. Até hoje, sinto muito a falta dele"
DO FAVORITISMO ÀS AMEAÇAS: A COLÔMBIA NA COPA DE 1994
'Disseram que se Gabriel Gómez jogasse, ele e Maturana seriam mortos', revela Perea (Foto: Divulgação/ Conmebol)
Embalada por atuações expressivas nas Eliminatórias da Copa do Mundo, a Colômbia desembarcou nos Estados Unidos ostentando o posto de favorita ao título. Entre seus principais jogadores, estavam nomes como Valderrama, Rincón, Valencia e Asprilla.
"Tínhamos vencido por 5 a 0 a Argentina no Monumental de Nuñez, um feito histórico. Contávamos com o Francisco Maturana, que era um treinador à frente do seu tempo e nos trouxe uma disciplina tática", recordou Perea.
"Nós apresentamos a Colômbia ao nível mundial, levando nosso estilo para todos verem", completou Luis Herrera.
Contudo, a realidade foi outra no Grupo A. Na primeira partida, a Romênia regida por Hagi derrotou por 3 a 1 os "cafeteros". Companheiro de zaga de Escobar, Luis Herrera lamentou. "Por mais que tivéssemos terminado as Eliminatórias invictos, sabíamos até onde podíamos ir na Copa, éramos humildes. E a sorte não nos acompanhou".
De acordo com Perea, os dias antecedentes ao duelo com os Estados Unidos foram cercados de tensão.
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"Ligaram para o hotel onde estávamos e nos fizeram ameaças de morte! Disseram que se Gabriel Gómez não fosse barrado, tanto ele quanto o "Profe" (Francisco Maturana) seriam mortos. Sendo que Gómez era um dos jogadores fundamentais para nossa seleção. Nunca soubemos de onde vieram estas ameaças, quem fez, mas chegamos sob muita tensão na partida contra os Estados Unidos".
Gaviria atuou no lugar de Gabriel Barrabás Gomez. Mas, abalados emocionalmente, os colombianos perderam mais uma vez.
'ELE NUNCA TINHA FEITO UM GOL CONTRA EM SUA VIDA'
'Ele estava muito triste', revela Santiago Escobar (Foto: AFP)
Em 22 de junho de 1994, o destino de Escobar começaria a mudar de rota. Ao tentar cortar o cruzamento de John Herkes, o camisa 2 atrapalhou Córdoba e desviou a bola para o fundo da rede aos 33 minutos do primeiro tempo.
"Depois da partida, lembro de ele estar muito triste por este gol contra. Lembro de ele me falar que nunca tinha marcado contra na sua vida, e foi acontecer justo em um Mundial", detalhou o irmão de Andrés, Santiago Escobar.
Stewart ampliou a vantagem dos anfitriões da Copa do Mundo, que tinham nomes como Tony Meola, Alexi Lalas e Tob Jones entre seus jogadores. Valencia diminuiu para 2 a 1 no finzinho, mas o placar foi insuficiente para manter a Colômbia com chances na competição.
Asprilla recordou a frustração em torno daquela geração. "Um momento muito duro. Além da eliminação no Mundial, veio este marco, e justo com um bom amigo como o Escobar".
Os colombianos se despediram da Copa com uma digna vitória por 2 a 0 sobre a Suíça.
'ERA UMA ÉPOCA DE VIOLÊNCIA, E O FUTEBOL NÃO ESCAPOU'
Andrés Escobar - Copa do Mundo de 1994 (AFP)
Dez dias após ter marcado contra, Andrés Escobar tinha voltado à Colômbia. Inclusive, contrariando os planos pensados com a família após o Mundial. "A gente tinha planejado se encontrar na costa dos Estados Unidos", disse Santiago Escobar.
Na madrugada de 2 de julho, o zagueiro estava em uma discoteca em Medellín quando foi agredido verbalmente por três homens e uma mulher que protestavam por seu gol contra. "El Caballero" reagiu com um pedido de respeito, mas Humberto Muñoz Castro disparou tiros na cabeça de Escobar, que morreu 45 minutos depois.
"Andrés estava em um lugar errado e na hora errada. Além disto, era um momento perigoso para qualquer jogador da Colômbia naquele momento estar na rua", acredita Perea.
Na década de 1990, Medellín ainda era tomada pelo narcotráfico. Muñoz Castro, que assumiu a autoria do crime, era guarda-costas e motorista dos irmãos Pedro e Juan Santiago Gallón Henao. Os dois traficantes de drogas também foram suspeitos de estar no local da morte de Andrés Escobar.
Uma das versões da acusação aponta que os Gallón Henao teriam "encomendado" a morte de Escobar a Muñoz Castro, por terem perdido muito dinheiro em apostas no título da Colômbia. Já outra versão diz que foi um bate-boca ocorrido na discoteca.
Passados 25 anos, Santiago Escobar expõe a indignação dos familiares com os desdobramentos judiciais do caso. "As decisões foram muito injustas. O autor confesso do crime estava condenado a 43 anos de prisão mas, logo depois de completar 11 anos na cadeia, foi colocado em liberdade - comentou sobre o fato de Muñoz Castro ter saído por "bom comportamento".
As medidas em torno dos irmãos Gallón Henao causaram ainda mais indignação no irmão de Andrés. "Os dois tinham sido condenados a 15 meses de prisão (por acobertarem o crime) , mas bastou pagarem uma fiança que estavam soltos. Creio que a Justiça não tomou as medidas certas".
Hoje treinador (que tem em seu currículo dois títulos colombianos pelo Atlético Nacional, ex-clube de Andrés), Santiago se frustra ao falar sobre este período no qual o narcotráfico ainda aterrorizava o país. "Era um tempo de violência, e o futebol não escapou".
A morte de Andrés Escobar rendeu medidas drásticas para seus companheiros logo em seguida: vários deles passaram a andar escoltados por seguranças.
ESCOBAR: DE CAMPEÃO DA LIBERTADORES AO SONHO COM O MILAN
O crime bárbaro cometido na discoteca interrompeu uma trajetória de destaque de Andrés Escobar em solo colombiano. Promovido aos profissionais do Atlético Nacional em 1985, o zagueiro logo chamou atenção por sua habilidade incomum para o setor.
"Era um extraordinário defensor que atuava pela esquerda. Muito técnico, tinha bom controle, passes curtos, sabendo jogar para seus laterais com tranquilidade", disse seu irmão e contemporâneo no futebol Santiago, que lembrou a origem do apelido "El Caballero".
"Sempre foi muito elegante para jogar. Quando davam liberdade, inclusive, ia para a área rival. Marcou 21 gols em sua carreira".
Seu bom desempenho nos "Verdolargas" logo credenciou Andrés a ser convocado para a seleção colombiana. Mas, no clube no qual começou, alcançaria seu maior feito em 1989: sagrar-se campeão da Copa Libertadores. "El Caballero", inclusive, abriu a contagem do triunfo nos pênaltis do Atlético Nacional sobre o Olimpia (PAR) na final.
"Foi uma geração maravilhosa. Demos muita alegria à nossa querida terra, Medellín", lembrou Luis Herrera.
Mesmo amargando a derrota no Mundial interclubes para o Milan, por 1 a 0, o defensor ainda celebraria dois títulos no clube: a Copa Interamericana e o Campeonato Colombiano, ambos em 1991, e ganharia a idolatria no Atlético Nacional.
Seu bom rendimento no clube "verdolarga" também lhe renderia a ida para a Copa de 1990 e a convocação para a seleção comandada por Francisco Maturana quatro anos depois. "Era um companheiro no qual tínhamos muita confiança. Um grande jogador, e uma grande pessoa", detalhou Rincón.
Cercado de expectativa em torno de seu futebol, o então jogador de 27 anos temeu que a derrota para os Estados Unidos interrompesse outro sonho. De acordo com seu irmão, Andrés estava prestes a partir para o futebol europeu.
"Ele estava muito inseguro, com medo de que a negociação com o Milan não se concretizasse devido ao gol contra. Andrés iria ser uma opção a Franco Baresi no clube italiano. Eu disse para ele se acalmar, que tudo correria bem".
A última vez que esteve no Atlético Nacional, Escobar quis saber como estava o andamento da negociação com o clube "rossonero". Na madrugada de 2 de julho, sua vida seria devastada
"Tenho as melhores lembranças possíveis dele. Andrés foi um grande jogador e uma excelente pessoa. Nos mantínhamos na concentração, jogando cartas, e era muito divertido. Sempre gostava muito de conversar. Além disto, foi o melhor zagueiro com quem joguei", detalhou Luis Herrera.
Santiago, que teve o irmão como companheiro e também como adversário, é categórico ao falar sobre o que deixa Andrés Escobar.
"Seus valores sempre permanecerão, devido à qualidade que Andrés Escobar tinha como pessoa. Andrés era um homem de muito caráter, algo escasso nos dias de hoje. Mas faz muita falta para nós da família".