Edilson Pereira de Carvalhofoi pivô do escândalo que completa 20 anos
Arquivo pessoal
Edilson Pereira de Carvalhofoi pivô do escândalo que completa 20 anos

Perguntado se há semelhanças entre o escândalo que protagonizou, 20 anos atrás - decisivo para o seu time, Corinthians, ser campeão - e as denúncias atuais envolvendo casas de apostas e atletas,  Edilson Pereira de Carvalho  apontou uma diferença para dizer que, de resto, tudo se iguala:  

''Eu tinha o apito, eles têm a chuteira para jogar, eu acho até pior''. 

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Edilson, assumidamente um manipulador de jogos do Brasileirão de 2005, defendeu, em entrevista ao  Portal iG, punição também a ' 'eles'', jogadores de futebol famosos acusados de ajudar apostadores. 

Citou  Bruno Henrique, do Flamengo, e Paquetá, do West Ham, para argumentar que as consequências de crimes semelhantes não deveriam ser limitadas a atletas menos conhecidos, de times menores.

Atualmente vivendo da renda de entregas de mercadorias em Taubaté (SP), o ex-árbitro afirmou ter perdido empregos depois do escândalo revelado pela revista Veja vir à tona.

Lembrou que foi contratado muitas vezes por mulheres que, segundo ele, não o conheciam. E que quando a empresa descobria quem era, a demissão acontecia de forma sumária. 

''Minha imagem era péssima''.

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Edilson foi quem procurou o  iG  para oferecer a entrevista.

Se disse aberto a qualquer tipo de pergunta, mas deixou claro que queria denunciar uma produtora de vídeo da qual afirma ter tomado um calote por um documentário sobre o caso da máfia do apito do Brasileirão de 2005. A produtora nega.

Edilson Pereira de Carvalho
Acervo pessoal
Edilson Pereira de Carvalho


Ainda sobre o assunto falta de pagamento, disse não ter como quitar uma dívida de R$ 348 mil, cobrada pela Federação Paulista de Futebol por danos morais. 

Edilson demonstrou arrependimento por ter aceitado receber cerca de R$ 10 mil por jogo em 2005. Na época, um árbitro da Fifa, como ele, ganhava cerca de R$ 4,5 mil, afirma. Corrigido pelo IGP-M, o valor atual chegaria a R$ 16,2 mil, segundo a calculadora disponível no site do Banco Central

Deixou claro não estar com a vida financeira resolvida, o que não o impede de passar boa parte do tempo jogando baralho ao lado da mulher.   

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Em cerca de 40 minutos de entrevista, pela internet, apesar de se dizer envergonhado, falou abertamente sobre o escândalo, sobre ter ficado preso por 4 dias na Polícia Federal, ter sido banido do futebol e assumido a culpa. 

Acompanhe abaixo os principais trechos. 

O que você faz hoje?

Eu faço entregas em certos bairros aqui, umas três ou quatro vezes por semana, de lojas para pessoas que compram online no Mercado Livre. 

(Neste momento da entrevista, ele diz que havia acabado de chegar uma mensagem informando que tinha uma encomenda na porta da casa para ele pegar para entregar)

Você não mexe mais com futebol há muito tempo, de forma alguma?

Não, de forma alguma. Nem palestras, nem jogos, nem por muito bom dinheiro. Os mesmos jogadores se aposentaram comigo. Marcelinho(Carioca), Júnior Baiano. Todos que eu apitava (jogos), então, não ia dar certo.

Você quase se recusa a voltar para o futebol por algum trauma?

Eu vou fazer 63 anos em agosto, eu fui excluído em 2005. Não sei se a palavra é ''trauma''. Na verdade, é vergonha, tenho vergonha. Me convidaram para palestras em Jacareí, São José dos Campos. Que exemplo? Com a m***a  que eu fiz, vou dar palestras?

O que você ouve nas ruas. Alguém te xinga, te trata mal pelo que você fez?

Eu nunca fui ofendido. Mas em 2006, 2007 eu frequentava ao máximo lugares com muitas pessoas. Não deixava de ir, mas evitava. A pessoa passava na rua, principalmente os homens, bate no ombro da esposa ou do filho e me mostrava, disfarçava. Eu montei uma lanchonete, máquinas de sorvete espalhadas na cidade, não tinha como fugir, fiquei bastante trancado em casa, com vergonha, chorando. Infelizmente, eu penso que não deveria ser assim. Se eu passar na rua andando com você, você vai ver que alguém ainda pede autógrafo para mim. Mas não com raiva, (mas) com carinho porque eu não escondo, porque eu errei. Serviu de legado para a federação (paulista), para outras federações. Hoje, muita observação sobre os árbitros. Para entrar para ser árbitro hoje, muito difícil, muito mais do que no meu tempo. 

Você iria a Porto Alegre tranquilo, teria coragem de ir a um jogo do Internacional?

(Com o escândalo, a classificação do campeonato foi alterada. O Corinthians foi campeão com três pontos a mais do que o Internacional. Caso os placares tivessem sido mantidos, os gaúchos teriam vencido o torneio).

Se eu tivesse que fazer um trabalho hoje em Porto Alegre, eu não iria. Muito menos num jogo do Inter. Se eu passar dentro de um avião, por cima, algum torcedor fuzila o avião. 

(Neste momento da entrevista, Edilson reforça que não apitou o jogo da final do Internacional e que o time gaúcho foi indiretamente prejudicado pelos resultados anteriores do Corinthians).

Eu, como corintiano, eu torci para o Inter ser campeão para não ficar tudo em cima das minhas costas, como ficou. 

Os escândalos atuais envolvendo jogadores e bets têm algum semelhança com 2005?

Eu acho que só muda o apito. Eu tinha o apito, eles têm a chuteira para jogar, e eu acho até pior. Crime e crime. Se o rico roubar R$ 1 mil, ele tem que ser preso. se o pobre roubar R$ 1 milhão, ele tem que ser preso da mesma maneira, na mesma quantidade de dias. Vou explicar melhor. Eu não tenho 1% do que o Bruno Henrique, o Paquetá, vamos falar do Paquetá, mais famoso, que está em vias de ser eliminado do futebol pela federação inglesa. Poxa, deveria ser menos a pena para mim (pena menor), porque eu fiz uma coisa que eu precisava, e eles nem precisam, eles são milionários. Eu fui punido, eles teriam que ser punidos. E não são, e não foram. Eu gostaria muito (que o Paquetá) fosse punido, muito, para servir de exemplo para outros jogadores. Porque tiveram outros jogadores que jogavam em outras federações, do Amazonas, de Goiás que foram punidos e não jogam mais. Porque o Lucas Paquetá joga na Inglaterra, o Bruno Henrique joga no Flamengo e não foram punidos e banidos? Porque são tão importantes? Deveriam ser punidos e banidos. Não interessa se pouco dinheiro ou muito. E pior. São dois jogadores que tomam muito cartão amarelo. Agora, o Bruno Henrique está se segurando para não tomar cartão amarelo, eu acompanho. Ele prejudica a equipe dele não tomando cartão amarelo que ele precisa tomar numa jogada que ele precisa segurar, para a equipe dele não tomar gol. Será que fez aposta, será que não fez aposta? Não ele, mas amigos.

(No dia desta publicação, Paquetá estava dentro prazo para apresentar sua defesa, segundo o site GE. Mas como ele foi citado na entrevista, a reportagem do iG tentou contato com o jogador. Foi enviada uma mensagem na rede social particular dele perguntando se gostaria de se manifestar. O mesmo foi feito com Bruno Henrique, via rede social dele e de sua assessoria de imprensa. O jogador foi denunciado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. O espaço permanece aberto).

Hoje é mais fácil ou mais difícil manipultar resultados?

Mais difícil por causa do VAR. No meu tempo tinha muitas câmeras, mas hoje tem o VAR, na primeira divisão. Eu xingava muito os jogadores. Hoje, se eu estivesse apitando, eu não iria xingar, porque o VAR pega. 

Se você não tivesse participado do esquema, você estaria bem financeiramente falando, aposentado como árbitro?

Um árbitro aposentava com 45 anos, faltavam dois anos para eu parar. Eu teria que arranjar outro emprego. 

Te atrapalhou para poder ganhar dinheiro, pela sua imagem?

Sim, sim. Depois que comecei a trabalhar em fábricas, minha imagem era péssima. Trabalhei 15 dias, um mês. Entrava e era mandado embora no dia seguinte. 

As pessoas contratavam sem saber que era você?

Sem saber, principalmente mulheres que pegavam currículo. 

Que calote você diz que está tomando de pessoas que fizeram um documentário?

Duas pessoas do Rio de Janeiro foram a Jacareí me procurar. Se interessaram em fazer um documentário da máfia do apito, das apostas, muito mais hoje dos jogadores se envolvendo. Foi evoluindo essa conversa e o dinheiro que me ofereceram. Bem menos de R$ 100 mil. Seria um filme. Disse que iria passar na Netflix, na Amazon e que iriam procurar vender. Eu assinei o contrato e começaram a me pagar R$ 3 mil por mês, mesmo sem estar vendendo o documentário, estavam produzindo. Eu fui a primeira pessoa a ser entrevistada. E foram entrevistar amigos meus. Continuaram me pagando, e só sei que o documentário foi crescendo horrores. Eles focaram muito na minha vida particular e pouco nas apostas. Desde que eu nasci até como estou hoje. E eu não fui gostando disso aí. Está dizendo no contrato que assim que eles recebessem, e eles receberam da Ancine, eles me pagassem. Mas eles não me pagaram, e queriam continuar pagando os R$ 3 mil por mês. 

Edilson afirma ter recebido R$ 39 mil dos R$ 50 mil e está processando os produtores pela falta de pagamento do restante devido que ele denuncia.

A empresa disse ao iG que foi Edilson quem quebrou o contrato ao dar entrevistas que não estavam autorizadas no acordo.

O caso está na justiça.


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