Ninho do Urubu, centro de treinamento do Flamengo no Rio de Janeiro
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Ninho do Urubu, centro de treinamento do Flamengo no Rio de Janeiro

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) recorreu à justiça para suspender a decisão que determinou o fim do pagamento de pensão às famílias dos garotos vitimados no incêndio do Ninho do Urubu , o CT do Flamengo, em 2019.

A Coordenadoria Cível da DPRJ entrou com pedido de efeito suspensivo e restabelecimento das pensões de R$10 mil pagas aos familiares junto ao Tribunal de Justiça.

A instituição argumenta que, ao extinguirem parte da ação por ilegitimidade do Ministério Público, os julgadores não se atentaram para o fato de que a Defensoria Pública era autora dos pedidos, motivo pelo qual o processo deve prosseguir. Além disso, a instituição sustenta que não houve fundamentação adequada por parte do TJRJ.

"Às vésperas de se completarem dois anos dessa tragédia, é fundamental que a justiça suspenda a decisão do Tribunal que revogou a pensão destinada aos familiares dos jovens falecidos. É lamentável que, transcorrido tanto tempo, essas pessoas ainda tenham que lutar para obter uma reparação mínima pelo terrível dano que sofreram", disse a subcoordenadora cível, Beatriz Cunha.

Desde dezembro de 2019, após ações em parceria da Defensoria e Ministério Público do Estado, são pagas as pensões de R$10 mil de forma obrigatória e provisória para garantir a recomposição financeira das famílias. A Defensoria entende que o valor deve ser mantido, diante dos altos salários pagos pelo clube aos jogadores do time principal.

Os acertos de indenização mais recentes são com os parentes de Pablo Henrique e Arthur Vinícius. Desta forma, o clube alcançou entendimento completo referente a oito jogadores. O Flamengo já tinha feito acordo com as famílias de Samuel, Athila Paixão, Bernardo Piseta, Gedson Santos, Jorge Eduardo e Vitor Isaías.

Há ainda duas pendências. Uma envolve os familiares do goleiro Christian Esmério. A outra envolve Rykelmo. Há duas linhas de negociação, uma já resolvida, com o lado do pai. Mas a mãe do jogador acionou a Justiça, gerando um processo contra o clube que ainda está em andamento.

Denúncia

Na última sexta-feira, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) denunciou o ex-presidente Eduardo Bandeira de Mello e outras dez pessoas pelo incêndio no Ninho do Urubu. Entre elas, dois funcionários que ainda estão no clube. Carlos Noval, gerente de transição do futebol, e Marcus Vinicius Medeiros, que era monitor da base.

"O Flamengo está acompanhando o processo judicial envolvendo a eventual responsabilização criminal pelo incêndio do Ninho do Urubu e tomou conhecimento do oferecimento da denúncia pelo MP. O clube está à disposição da Justiça, como sempre esteve, e acredita que será feita justiça. O clube prefere não se manifestar sobre o mérito, haja vista sua plena confiança na Justiça", diz o comunicado.

Se aceita a alegação, todos serão enquadrados pelo crime de incêndio culposo resultando em morte e lesão corporal grave. A tragédia, que vitimou dez atletas das categorias de base do rubro-negro, está perto de completar dois anos.

O GLOBO teve acesso a íntegra da ação criminal, que conta com 60 páginas e corre na 36ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. As penas previstas estão nos artigos 250 e 258 do Código Penal, de 1 ano e 4 meses a 4 anos de detenção, com aumento de pena de um sexto até a metade, em razão do concurso formal.

Cabe agora ao juiz Marcel Laguna Duque Estrada, titular da vara, analisar a denúncia para decidir quem virará réu ou não. O Ministério Público acredita que a principal causa do incêndio foi um curto-circuito provocado no ar condicionado dos alojamentos. As investigações apontam que os dois aparelhos apresentaram pane no fim de janeiro de 2019.

O ex-presidente Eduardo Bandeira de Mello se manifestou:

“É com profunda decepção e perplexidade que tomo conhecimento da denúncia do MP me atribuindo responsabilidade pela lamentável tragédia e pelas mortes das crianças no Ninho do Urubu, fatos ocorridos quando já não era mais presidente do clube.

Ao longo do nosso mandato, as condições de habitabilidade e de trabalho dos nossos atletas da base foram melhoradas - condições estas que o próprio MP conhecia, acompanhava e concordava - deixando ao fim de dezembro de 2018 os meninos já ocupando as novas e definitivas instalações, as melhores existentes no Brasil.

Sabe-se lá a razão, mas a verdade é que a investigação ignorou todas as petições de minha defesa, solicitando produção de provas, bem como também ignorou tudo o quanto fora descoberto pela imprensa, numa linha que poderia ajudar a se chegar à verdade dos fatos.

Ao que tudo indica, a investigação simplesmente se preocupou em encontrar um ‘culpado’ pré determinado, de maneira conveniente para alguns”.

Tenho certeza de que em juízo minha defesa demonstrará essa profunda injustiça e o Poder Judiciário afastará definitivamente essa imputação absurda.

Reitero minha total confiança nas instituições do nosso país e reforço que nesse processo nada é mais importante do que a tentativa de minimizar a dor das famílias que foram destroçadas por essa tragédia e, mais uma vez, apresento minha incondicional solidariedade”,

Eduardo Bandeira de Mello

Os denunciados pelo MPRJ:

Eduardo Bandeira de Mello - ex-presidente do Flamengo
Márcio Garotti - ex-diretor financeiro do Flamengo
Carlos Noval - ex-diretor da base do Flamengo, atual gerente de transição do clube
Luis Felipe Pondé - engenheiro do Flamengo
Marcelo Sá - engenheiro do Flamengo
Marcus Vinicius Medeiros - monitor do Flamengo
Claudia Pereira Rodrigues - NHJ
Weslley Gimenes - NHJ
Danilo da Silva Duarte - NHJ
Fabio Hilário da Silva - NHJ
Edson Colman da Silva - técnico em refrigeração
Relembre: funcionários que trocaram e-mails alegavam desconhecimento

Entre os denunciados, apenas Bandeira de Mello e Carlos Noval, então diretor da base e, atualmente, gerente de transição (base-profissional), eram dirigentes do Flamengo na época. Os outros denunciados são prestadores de serviços, pessoas ligadas à empresa que forneceu os contêineres e outros funcionários do clube. Nenhum dirigente da atual gestão foi denunciado.

O Ministério Público também pede que os denunciados sejam condenados a "reparar os danos" sofridos pelas vítimas.

As irregularidades no CT

Na documentação apresentada pela Anexa, empresa contratada depois do incêndio para uma vistoria nas instalações elétricas, não havia nenhuma emissão de anotação de responsabilidade técnica (ART), obrigatória pela Lei 6.496/77 para as atividades técnicas de projeto e execução. Também não havia um aceite técnico referente às instalações contidas nos módulos do Ninho do Urubu.

O que a Anexa verificou foi que, dias antes da tragédia houve um chamado do Flamengo para um suposto incêndio em um dos equipamentos de ar. O clube chamou o senhor Edson Colman, conhecido como "Geladinho", da empresa Colman Refrigeração. Ele relatou manutenção na fiação interna do aparelho, com substituição de algumas conexões. O aparelho danificado foi reinstalado no dia 7 de fevereiro, um dia antes da tragédia. Segundo a vistoria nos componentes que sobraram, os aparelhos de ar condicionado funcionavam aproximadamente 24 horas por dia.

Conforme a troca de e-mails entre os ex-funcionários Luiz Humberto, gerente de administração, e Marcelo Helmann, diretor executivo da pasta, em 10 de maio de 2018 houve visita ao alojamento do técnico de segurança do Flamengo, acompanhado do profissional chamado apenas de Adilson, da empresa CBI. O senhor Adilson informou, segundo relatório da Anexa, "que a situação encontrada no módulo da base era de alta relevância e grande risco".

Há ainda destacado os pontos emergenciais, enviado pelo funcionário do departamento pessoal Wilson Ferreira ao gerente de administração do Flamengo, Luiz Humberto Costa Tavares, à gerente de recursos humanos Roberta Tannure e a um funcionário identificado como Douglas Silva Lins de Albuquerque em 11 de maio: "quadro elétrico (poste ao lado do refeitório), disjuntores e fiação no jardim, quadro elétrico atrás do alojamento da base".

Uma proposta de manutenção foi enviada a Flamengo ainda em maio de 2018 com os seguintes serviços: instalar um quadro de proteção, com os disjuntores e cabos dimensionados para a carga apresentada. Segundo vistoria, os cabos conectados aos disjuntores estava mem desacordo com as norma técnicas, pois eram inferiores à espessura. Foi constatado ainda que a corrente de projeto era maior que a capacidade do condutor instalado, desconsiderando as ligações irregulares, ou “gambiarras”. Também não havia proteção de um fio terra no circuito principal do módulo.

Mesmo assim, o contrato foi dado como concluído e a última parcela referente à liquidação total foi paga no início de outubro de 2018 pelo Flamengo. Para o serviço, não foi emitida ART, de acordo com a Lei 6.496/77 e não háregistro formal de aceite de obra por parte do clube.

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