"Quando é que você vai pagar aquele almoço, hein?". Se você já trabalhou com Rodrigo Rodrigues, é bem provável já ter ouvido o convite em forma de provocação por parte do apresentador. No ar ou fora dele, Rodrigo aproximava as pessoas. É no mínimo sarcástico que, logo ele, um agregador nato, tenha sido vítima de uma doença que exige isolamento. Aos 45 anos, Rodrigo morreu, nesta terça-feira, de complicações geradas pela Covid-19, após sofrer uma trombose venosa cerebral .
Rede Vida, TV Cultura várias vezes, SBT, Bandeirantes, ESPN Brasil em duas passagens, TV Gazeta, Esporte Interativo, SporTV, TV Globo. No competitivo mundo do jornalismo televisivo, trabalhar em todas essas emissoras é só uma das façanhas da divertida, atribulada e recheada de amigos vida de Rodrigo de Oliveira Rodrigues, o RR, um sujeito que conseguiu tanto porque foi muitos. Este é um obituário incompleto se disser que morreu o apresentador de TV. Não foi só ele que se foi. Junto, morreu também o divertido músico — líder e fundador da banda "The Soundtrackers", especializada em trilha sonoras de filmes —, o ex-dono de restaurante na Vila Madalena, o boêmio que não bebia nos bares com os amigos, o escritor de livros.
Nascido e criado na Tijuca, foi da Saens Pena até Picadilly, em Londres, passando pela estação Châtelet, em Paris, escreveu guias de viagem baseado em estações de metrô, biografou a Blitz, sua banda favorita. Rubro-negro, fã confesso de Zico, ganhou fácil a simpatia de todas as torcidas no jornalismo esportivo, informando sempre sem esquecer de se divertir, divertindo-se sempre sem se esquecer de informar. Morreu, inclusive, combatendo nas redes sociais a desinformação sobre a doença de que foi vítima, falando sério quando tinha que falar, usando memes quando era a melhor maneira de informar.
Na TV, ao vivo ou nas redes, Rodrigo trazia leveza. Sua informalidade, no ar, por vezes incomodava chefes que prezavam por uma comunicação mais objetiva. Rodrigo nunca ligou. Tinha estilo próprio, ideias fixas e, se incomodado ou incomodando, procurava — e achava — outro lugar para se sentir melhor. Era do tipo raro que fazia questão e conseguia estar bem com todos ao redor. Numa famosa redação, dois comentaristas de estilos completamente diferentes — um, o engraçadinho, o outro, mais sério, por vezes visto como rabugento — não se bicavam. Em comum entre os dois, só a amizade com Rodrigo.
Você viu?
O obituário, porém, seguiria incompleto se não tivesse um parágrafo inteiro para o amigo Rodrigo. As más notícias sobre seu estado de saúde trouxeram solidariedade, manifestações e uma constatação rara: Rodrigo era unânime entre os que conheciam. Em tempos de falta de empatia, a dele sobrava. No isolamento, recentemente, juntou paixões: a música e os amigos. Pegou um violão, gravou e postou amigos cantando, incluindo alguns que mal sabíamos que tinham dotes musicais.
Uma delas foi a apresentadora Karine Alves, recém contratada pelo SporTV, para a mesma função de Rodrigo. Concorrência? Eles nem se conheceram pessoalmente, mas ele sabia que ela cantava bem. Gravou com a amiga virtual e postou "Sorriso Negro", canção que ficou famosa na voz de Dona Ivone Lara e dedicou ao movimento #VidasNegrasImportam.
A voz de Karine é linda, como é, surpreendentemente, a do jornalista do Sportv e colunista do GLOBO Marcelo Barreto. Como se tivesse como última missão fazer os amigos brilharem, habilidade que sempre teve como apresentador de TV, Rodrigo recebeu uma mensagem da esposa de Barreto pedindo para chamá-lo para cantar no Instagram. E o apresentador do "Redação", cheio de vergonha, fez voz grossa para o eclético violão de RR tocar "Riacho do Navio", canção de Luiz Gonzaga, que Barreto cantava para ninar os filhos antigamente.
"Ai, se eu fosse um peixe, ao contrário do rio/ Nadava contra as águas e desse desafio", diz um verso, que poderia encerrar o último programa apresentado por Rodrigo Rodrigues. Sobem os créditos. Fecha a cortina. Resta o choro, sobra o aplauso.