Conta o jornalista inglês Jonathan Wilson em texto publicado pelo “The Guardian” no último sábado que, certa vez, perguntaram ao ex-treinador húngaro Marton Bukovi o que ele havia feito durante a Segunda Guerra Mundial:

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Vanderlei Luxemburgo
Florida Cup/Divulgação
Vanderlei Luxemburgo


— Inventei o falso 9 — respondeu o homem que, ao mudar o sistema de seu time, plantou a semente que conduziria ao 4-2-4, sistema hegemônico nas décadas seguintes.

Entender como um técnico funciona em home office é o segundo capítulo de uma série especial de reportagens em que O GLOBO vai mostrar como o futebol sobrevive em tempos de pandemia.

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É provável que, quando a pandemia permitir a volta do futebol, não sejamos apresentados a uma revolução deste porte. Mas o fato é que, de repente, num futebol marcado por jogos em cima de jogos e poucos treinos, os treinadores se viram com tempo. Não para treinar seus times, mas para pensar. Como têm usado?

No Rio, Paulo Autuori mal começou seu trabalho com o Botafogo e precisou parar. O tempo lhe permite ter mais oportunidade de estudar, algo que, ele destaca, faz parte da rotina. Para o alvinegro, no entanto, a grande oportunidade não reside em refletir sobre aspectos táticos de seu time.

— Claro que passo este período lendo, preparando coisas para o futuro, estudando o que preciso estudar na minha profissão. Isso é rotina. Mas é uma grande oportunidade de revermos o calendário no Brasil. É ridículo o que temos aqui, sob o ponto de vista da quantidade de jogos e da preparação dos atletas. Isto atrofia até o repertório de treinos dos técnicos — avalia.

Outro que tem um trabalho recente, embora com pouco mais de dois meses de convívio com os atletas, o tricolor Odair Hellmann tem procurado manter, junto com sua comissão técnica, um mínimo de controle sobre as atividades que os jogadores fazem em casa.

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— Todo dia conversamos com a preparação física, montamos planilhas e vamos vendo com os atletas as possibilidades que eles têm em seus condomínios, casas. Quanto mais longa a parada, mais será perdido — diz o treinador. — Mas quando voltarmos, haverá um diferença em relação a janeiro: eles já me conhecem, já conhecem os conceitos do trabalho. E eu já os conheço. Não precisarei de uma reunião geral para falar de conceitos.

Outra mudança , segundo ele, é a possibilidade de reavaliar jogos da equipe.

— Não há partidas (de adversários) para ver agora. É possível ver jogos anteriores com mais calma, entender o que acertamos e erramos. Temos contato com a Análise de Desempenho para levantar dados e refletir se estão dentro da proposta de jogo. Por exemplo, temos metas de velocidade nos passes e gostamos de comparar com times de outros países. Estamos podendo analisar dados, avaliar números de passes certos, finalizações, qualidade na posse de bola...

Incertezas na volta

Tanto Odair quanto Autuori alertam para uma situação: o tempo que será oferecido aos jogadores na volta ao trabalho.

— É curioso que vejo, agora, debates sobre a forma física dos jogadores, sobre como estarão os times. Já voltamos de férias e começamos a competir em 13 dias. Na época ninguém se preocupou com tempo de trabalho — disse Autuori. — Por isso falo numa grande possibilidade de reflexão. Não há prejuízo a uma equipe de futebol acima do problema que o mundo está passando, são vidas. É uma chance de pensarmos sobre a superficialidade em que vivemos, à ideia de ganhar a qualquer custo. O futebol não pode ficar alheio ao que está acontecendo, à vida.

O cenário a encontrar na volta à atividade é outro ponto que toma as mentes dos treinadores agora.

— O Brasil será um ambiente competitivo ainda mais incerto. Times que ninguém espera podem ter queda, outros uma arrancada. Em especial se a parada for longa e o tempo de preparação, curto — diz Odair.

Neste aspecto, os clubes cariocas vivem momentos particulares. O Flamengo tem um time ajustado, embora a interrupção provoque interrogações que vão além da forma como o time vai retornar de uma parada que pode ser longa. Mas também pelo fato de que é provável que não haja mais jogos até o fim do contrato de Jorge Jesus. Ele discute, de Portugal, a permanência para uma temporada que não se sabe quando recomeça.

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Já o Vasco busca o substituto de Abel Braga. Diante da pandemia, não há mais pressa. De toda forma, a volta será um completo recomeço.

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