
A Copa Libertadores da América, como a gente conhece hoje, virou uma obsessão de todo time brasileiro e sul-americano.
Mas se hoje o torneio é um sonho de consumo, nas primeiras edições os clubes não davam muita importância para o torneio.
O embrião da Libertadores
A primeira edição da Libertadores aconteceu em 1960, mas as negociações e planos para que o torneio saísse do papel vinham de muitos anos atrás.
Em 1948 foi disputado o Campeonato Sul-Americano de Campeões, competição que reuniu os campeões nacionais de cada país da América do Sul.
Como o Brasil ainda não tinha um campeonato nacional, o representante brasileiro foi o Vasco, campeão carioca em 1947.
O torneio foi disputado em Santiago, no Chile, entre os dias 11 de fevereiro e 17 de março de 1948.
Sete times disputaram a competição: Vasco (Brasil), River Plate (Argentina), Litoral (Bolívia), Colo-Colo (Chile), Emelec (Equador), Deportivo Municipal (Peru) e Nacional (Uruguai).
O regulamento era simples: todos jogavam contra todos em turno único e quem somasse mais pontos era campeão.
Com 4 vitórias e 2 empates, o Vasco acabou levando a melhor e ficou com o troféu do primeiro campeonato sul-americano de clubes.
A competição foi considerada um sucesso pela Conmebol e a entidade começou a trabalhar nos bastidores para desenvolver um torneio que envolvesse os clubes sul-americanos e que fosse realizado anualmente.
Negociações para a criação da Libertadores
Em 1955, começou a ser disputada a Taça dos Clubes Campeões Europeus, competição precursora da Champions League, e que reunia os campeões dos países mais relevantes da Europa no quesito futebol, para definir quem seria o melhor time da Europa.
Com isso, também começaram negociações para que o campeão europeu enfrentasse anualmente o campeão sul-americano.
Mas se não existia um campeonato sul-americano, como seria definido um campeão?
Em 1958, a Conmebol fez um congresso no Rio de Janeiro e os planos para a criação de um torneio sul-americano pareciam cada vez mais concretos.
Nessa época, a entidade era presidida por José Ramos de Freitas, único presidente brasileiro da Conmebol até hoje.
No ano seguinte, em 1959, em outro congresso da Conmebol, dessa vez em Caracas, na Venezuela, foi feita uma votação com todos os países membros.
Oito países votaram a favor da criação de um campeonato sul-americano de clubes: Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, Bolívia, Equador, Peru e Colômbia. A Venezuela se absteve da votação e o Uruguai foi o único país a votar contra.
Os uruguaios acreditavam que a criação de um campeonato de clubes diminuiria a importância da Copa América, competição que reunia as seleções sul-americanas.
Felizmente, o Uruguai foi voto vencido e nesse congresso em 1959 foi oficializada a criação da Copa Libertadores, mas não ainda com esse nome.
O torneio recebeu a alcunha de Copa dos Campeões da América e a primeira edição aconteceria já no ano seguinte, em 1960.
As primeiras 5 edições (1960, 1961, 1962, 1963 e 1964) foram disputadas com o nome de Copa dos Campeões da América.
O nome mais charmoso, Copa Libertadores da América, só foi adotado em 1965, e daí em diante o torneio foi chamado assim até os dias de hoje.
Esse nome foi criado em homenagem a figuras políticas que lutaram pela libertação e independência dos países sul-americanos.
A origem do nome da competição
Quando falamos em libertadores da América, além do futebol, dois nomes são mais lembrados pela sua importância e pela sua relevância na luta pela independência dos países da América do Sul.
O primeiro é o do general José de San Martin.
San Martin era argentino e liderou os movimentos de emancipação da Argentina, que conquistou sua independência em 1816, do Chile, em 1818, e do Peru, em 1821.
Outra figura importante na história sul-americana é o Simon Bolívar.
Bolívar nasceu na Venezuela e liderou as revoluções nos processos de independência da Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e da própria Venezuela.
A primeira Libertadores: 1960
Participaram da edição inaugural do torneio os campeões nacionais de 1959: San Lorenzo (Argentina), Jorge Wilstermann (Bolívia), Universidad do Chile (Chile), Millonarios (Colômbia), Olimpia (Paraguai), Peñarol (Uruguai) e Bahia (Brasil).
Ficaram de fora dessa primeira edição da Libertadores o Equador, o Peru e a Venezuela.
O Equador não teve nenhum representante porque o Campeonato Equatoriano não aconteceu em 1959, então não havia como definir quem seria o representante do país.
No Peru, o campeão nacional era o Universitario, mas o time desistiu de participar da Libertadores depois que a Federação Peruana de Futebol se recusou a pagar as despesas com as viagens e logística .
Já o campeão venezuelano era o Deportivo Español, mas a Federação Venezuelana, depois de ter votado nulo no congresso da Conmebol, não se interessou em enviar um representante pro torneio.
O representante brasileiro foi o Bahia, campeão da Taça Brasil de 1959, torneio que foi unificado pela CBF em 2010 e que atualmente equivale ao Campeonato Brasileiro.
O Bahia bateu o Santos de Pelé, Coutinho e Pepe na final da Taça Brasil, conquistando a oportunidade de disputar a primeira Libertadores da história.
Enfim, a Libertadores começava
A Libertadores de 1960 já começava nas quartas de final e após um sorteio os confrontos dessa primeira fase foram definidos.
O Peñarol enfrentaria o Jorge Wilstermann, o Bahia pegaria o San Lorenzo e o Universidad do Chile jogaria contra o Millonarios.
O Olímpia enfrentaria o Universitario do Peru, mas com a desistência do time peruano, os paraguaios ganharam uma folga, se classificando diretamente pra semifinal.
Os confrontos das quartas de final foram disputados em jogos de ida e volta e em caso de empate no saldo de gols, seria disputada uma partida extra em campo neutro.
A partida que entrou para a história ao ser a primeira a ser disputada numa Copa Libertadores foi o confronto Peñarol e Jorge Wilstermann, no dia 19 de abril, no estádio Centenário, em Montevidéu.

No Uruguai, a imprensa dava bastante destaque a esse jogo e também a toda a competição, diferente do que aconteceu nos outros países, incluindo o Brasil.
Os jornais brasileiros se limitavam a noticiar que o Bahia jogaria um torneio sul-americano, mas sem grandes destaques nas matérias.
Logo na partida de estreia o Peñarol enfiou uma sonora goleada nos bolivianos: 7 a 1.
O autor do primeiro gol da Libertadores foi o uruguaio Carlos Borges, que abriu o placar do jogo logo aos 13 minutos.
O Carlos Borges ainda fez mais um gol na partida, aos 27 minutos. O Luis Cubilla marcou outro gol, e o Alberto Spencer foi o goleador da partida, marcando 4 gols.
O Spencer ao longo da sua carreira cansou de marcar gols e ganhar títulos. Ele jogou por duas seleções diferentes (Equador e Uruguai), foi campeão de três edições da Libertadores e oito campeonatos uruguaios jogando pelo Peñarol, e é até hoje o maior artilheiro da Libertadores, com 54 gols em 87 jogos disputados.
O jogo da volta entre Peñarol e Jorge Wilstermann rolou no dia 30 de abril, em La Paz. Após um empate em 1 a 1, o Peñarol avançou para a semifinal.
O adversário do Peñarol seria o vencedor do confronto entre Bahia e San Lorenzo.
A Taça Brasil de 1959 só terminou no ano seguinte, em 1960, e o terceiro jogo da final, que sacramentou o título do Bahia, aconteceu em 29 de março.
Em 20 de abril, menos de 1 mês depois de conquistar a Taça Brasil, o Bahia enfrentava o San Lorenzo pela Libertadores.
O primeiro jogo entre brasileiros e argentinos aconteceu em Buenos Aires, no estádio El Palacio, que pertencia ao Huracán, rival do San Lorenzo. O local foi escolhido por ser maior e mais moderno do que o Velho Gasómetro, estádio do San Lorenzo.

O Bahia era treinado pelo argentino Carlos Volante, que iniciou sua carreira como jogador em 1924 e passou por vários clubes argentinos.
Na década de 30, o Carlos Volante foi se aventurar no futebol europeu e passou por times da Itália e da França.
Em 1938, o Carlos jogava na França, país que sediaria a Copa do Mundo de seleções. Aproveitando a oportunidade, ele conseguiu um "freela" e se tornou o massagista da Seleção Brasileira durante a Copa.
Em seguida, veio jogar no Brasil e defendeu o Flamengo de 1938 a 1944.
Por suas características de meio-campo defensivo, o Carlos Volante se tornou uma espécie de exemplo para os treinadores de outros times brasileiros.
Quando queriam se referir a posição de um meia defensivo, diziam para o jogador atuar como o Volante. E assim surgiu a definição do termo “volante” no futebol brasileiro.
O Carlos Volante assumiu o comando do Bahia justamente no terceiro jogo da final da Taça Brasil de 1959, substituindo o Geninho, que comandou o time nos dois primeiros jogos da final e pediu demissão.
No terceiro jogo, o Volante conseguiu a vitória contra o Santos, ficou com o título do campeonato e, até 2019, era o único treinador estrangeiro a ganhar um título nacional no Brasil.
Em 2019, o português Jorge Jesus quebrou esse tabu ao comandar o Flamengo na conquista do Brasileirão.
A estreia do Bahia no maior torneio sul-americano
O Bahia enfrentaria o San Lorenzo na Argentina na primeira participação de um clube brasileiro na Copa Libertadores.
O San Lorenzo havia conquistado o campeonato argentino de 1959, encerrando um jejum de 13 anos sem títulos.
O destaque do time era o atacante José Sanfilippo, artilheiro do Campeonato Argentino em quatro edições seguidas, de 1958 a 1961, e até hoje o maior goleador do San Lorenzo, com 207 gols.
Contra o Bahia, o Sanfilippo foi o autor do último gol do time argentino, na goleada por 3 a 0.
No dia seguinte à partida, o Jornal dos Sports publicou uma nota curta, afirmando que o San Lorenzo esteve melhor na partida, graças a maior qualidade técnica de seus jogadores.
A reportagem ainda citou a expulsão do lateral Vicente após ele cometer um pênalti, que foi convertido pelo José Sanfilippo nos minutos finais da partida.
13 dias depois, em 3 de maio, o Bahia recebia o San Lorenzo na Fonte Nova, em Salvador, e precisava vencer por 4 gols de diferença pra avançar para as semifinais da Libertadores de 1960.
Quase 65 mil torcedores ocuparam as arquibancadas da Fonte Nova, arrecadando a quantia de quase 2 milhões de cruzeiros.
Quem abriu o placar do jogo foi o San Lorenzo, com o José Sanfilippo, logo aos 9 minutos. O Bahia virou o placar ainda no primeiro tempo, com um gol do Carlito e outro do Flavio.
O Carlito é até hoje o maior artilheiro da história do Bahia, com 233 gols.
No segundo tempo, o Sanfilippo empatou o jogo. Quase no final da partida o Marito fez o terceiro gol do Bahia, após a marcação de um pênalti bastante duvidoso, segundo reportagem do Jornal do Brasil.
Com o placar de 3 a 2, o Bahia acabou eliminado precocemente da primeira edição da Copa Libertadores.
O San Lorenzo, do artilheiro José Sanfilippo, avançou para a semifinal para enfrentar o Peñarol.
Anos depois, o José Sanfilippo foi jogador do próprio Bahia, entre 1968 e 1971. Por lá, teve grandes atuações e foi bicampeão baiano em 1970 e 1971.
A Libertadores continuava... sem brasileiros
No outro jogo das quartas de final da Libertadores, o Millonarios goleou o Universidad do Chile em Santiago: 6 a 0.
No jogo da volta, em Bogotá, vitória magra do Millonarios por 1 a 0, e classificação garantida para a semifinal para enfrentar o Olimpia.
As semifinais ficaram assim definidas: Peñarol contra San Lorenzo, e Millonarios contra Olimpia.
O primeiro jogo entre uruguaios e argentinos aconteceu em Montevidéu e terminou empatado: 1 a 1. Na segunda partida, em Buenos Aires, novo empate: 0 a 0.
Então, um jogo extra, em campo neutro, teria que ser disputado.
O local escolhido para a terceira partida seria Santiago, no Chile, mas o país tinha acabado de ser atingido por um terremoto e não tinha condições de sediar a partida.
Assunção, no Paraguai, foi cogitada pra receber o jogo, mas os dirigentes do Peñarol bateram o pé e não aceitaram.
A terceira partida acabou acontecendo novamente em Montevidéu, em troca de um pagamento de 100 mil dólares do Peñarol para o San Lorenzo.
Jogando em casa, o Peñarol venceu por 2 a 1, com 2 gols do Alberto Spencer. O gol argentino foi marcado por José Sanfilippo.
Na outra semifinal, Millonarios e Olímpia empataram o primeiro jogo na Colômbia: 0 a 0. Na partida de volta, em Assunção, goleada do Olímpia por 5 a 1.
A primeira final de Libertadores seria decidida entre Peñarol e Olímpia.
A grande decisão
O primeiro jogo da final aconteceu em 12 de junho, no estádio Centenário, em Montevidéu. Com um gol do Alberto Spencer, o Peñarol venceu por 1 a 0.
Na volta, em Assunção, no dia 19 de junho, Recalde abriu o placar para o Olímpia no primeiro tempo.
No segundo tempo, aos 38 minutos, Cubilla empatou a partida, dando números finais ao jogo: 1 a 1.
Com o resultado, o Peñarol conquistava o troféu da primeira edição da Copa Libertadores. Alberto Spencer foi o artilheiro da competição, com 7 gols.
Com o título da Libertadores, o Peñarol se credenciava para enfrentar o campeão europeu da temporada 58/59, o Real Madrid, time que havia as 5 primeiras edições da Champions League.
Nos primórdios da Copa Intercontinental, os campeões europeus e sul-americanos se enfrentavam em jogos de ida e volta.
A partida de ida, em Montevidéu, rolou 2 semanas depois da final da Libertadores e terminou empatada: 0 a 0.
O confronto foi presenciado por mais de 70 mil pessoas nas arquibancadas do estádio Centenário, debaixo de muita chuva.
Dois meses depois, em setembro, o Real Madrid, de Puskás e Di Stéfano, recebeu o Peñarol no estádio Santiago Bernabéu, em Madrid, com 120 mil pessoas nas arquibancadas.
O Real Madrid aplicou uma goleada: 5 a 1. O título do primeiro Mundial Interclubes ficaria com o time merengue.
O Peñarol ainda venceria a Libertadores mais 4 vezes ao longo da sua história: em 1961, 1966, 1982 e 1987. O time uruguaio é atualmente o terceiro maior campeão do torneio, atrás de Independiente (7 títulos) e Boca Juniors (6 títulos).