Mesmo em meio a um crescimento de popularidade, transmissões de televisão, números de campeonatos e equipes, as atletas de futebol feminino ainda enfrentam um dilema que deveria ser preocupante apenas após os 30 anos: a aposentadoria. Com um mercado bem muito mais enxuto do que o masculino, as ex-jogadoras sofrem para encontrar uma recolocação no meio esportivo.
Entre os homens, as escolhas são mais simples. Ao se aposentarem, são recebidos de braços abertos para diversas outras carreiras, como treinadores, comentaristas, dirigente. Entre as mulheres, não é tão simples assim. No último Brasileirão Feminino da Série A, por exemplo, das 16 equipes que terminaram o campeonato, apenas quatro tinham mulheres no comando técnico: Jéssica Lima, na Ferroviária, Carine, no Avaí Kindermann, Camilla Orlando, no Real Brasília, e Vantressa, no Atlético-MG.
A disparidade entre os salários chama ainda mais atenção, até mesmo no mais alto nível: a australiana Sam Kerr, do Chelsea, recebe 525.000 dólares (R$ 2,6 milhões de reais) anuais do Chelsea, e é a atleta mais bem paga da atualidade. Já Cristiano Ronaldo recebeu 275 milhões de dólares (1,3 bilhão) entre salários e premiações pelo Al-Nassr, de acordo com números publicados pelo site Sportico. Ou seja, 500 vezes mais do que a estrela australiana.
Neste cenário, torna-se cada vez mais imprescindível planejar o pós-carreira com muita antecedência, conforme explica Henning Sandtfoss, CEO da Redoma, da Redoma, empresa especializada na gestão financeira de atletas, que trabalha com o conceito de “Family Office”: gerenciar e crescer seu patrimônio, aliado a um bem estar familiar.
“O trabalho com as mulheres é diferenciado nesse sentido. Até sobre quando começar a guardar. Temos um trabalho forte em muitos clubes no Brasil para dar aulas de educação financeira na base, e muitos clubes estão nos procurando para fazer isso no feminino também. E, cada vez mais, a demanda vem sendo não apenas pela base, mas também para o profissional. E isso me chama bastante a atenção”, analisou Henning Sandtfoss.
Donas da bola: o quarteto que gere o patrimônio de jogadores de elite
“O tempo joga contra o atleta, que ganha dinheiro por 8 a 15 anos. Você precisa se preocupar desde o começo quanto a guardar. Não temos essa conversa com os homens desde o início da carreira. Orientamos eles a guardar, mas sabemos que terão um contrato maior adiante. Com as mulheres, esse pensamento precisa ser na data zero, porque não sabemos como será o ano seguinte, se aquele vai ser o único contrato. Elas precisam da disciplina desde o primeiro instante da carreira. E a conversa do que ela quer fazer depois do futebol precisa ser a primeira coisa também”
Um estudo feito pela consultoria alemã Schips Finanz, em 2011, apontou que cerca de 50% dos jogadores de futebol que encerraram suas carreiras estavam em total falência. E o mesmo acontece em outros esportes. Um artigo da conceituada revista americana Sports Illustrated, de 2009, apontou que 78% dos ex-atletas da NFL (Liga de Futebol Americano) e 60% da NBA (Liga de Basquete Americana) declaravam falência em até cinco anos de suas aposentadorias.
“Existem estudos para o masculino, que ainda não são tão precisos, que mostram que 95% dos jogadores quebram após cinco anos, mas a base é muito grande. Temos 5% de jogadores que vão ganhar dinheiro, e 1% que ficam “multimilionários”. Se entre os homens e em outros esportes é assim, no feminino é ainda pior”, prossegue Henning.
Camilla Orlando, atual treinadora do Palmeiras, endossa a ideia de que o esporte é um terreno fértil para que os mais jovens idealizem o seu futuro. Otimista, a treinadora alviverde enxerga um futuro mais claro para quem está começando.
“O conselho que eu posso dar aos mais jovens é que enxerguem o futebol de maneira mais profissional. Mesmo que elas não tenham tido um incentivo na formação, tem que compreender o momento, para formar atletas que inspirem os demais. As atletas também trabalham para as próximas gerações. Quem atinge um nível de excelência, deixa um legado, de ensinamentos e exemplos. Eu acredito que seja possível ter sucesso no futebol brasileiro, para isso, precisamos investir nos campeonatos locais. Embora seja importante ter uma experiência no exterior, para um aprendizado maior e troca de cultura educacional e esportiva”, finalizou Camilla.
Com o incremento dos investimentos no futebol feminino, a esperança é de que novas portas se abram para que as atuais atletas e, principalmente, as que já não possuem o esporte como forma de renda principal, consigam enxergar a modalidade como uma forma de mudar de vida.
E, para quem não vive de esporte, o conselho tem a mesma importância: é preciso se planejar e entender que a segurança financeira pode ser alcançada em todos os patamares da sociedade. “A educação financeira deveria ser uma matéria em todas as escolas. Busquem entender sobre isso, se interessar sobre isso, mudar de vida com isso. Seu futuro você agradecerá pelos passos que você tomou quando havia tempo”, finalizou Henning.