E lá se vai mais um fim de semana sem Série A. O que ocorreu, de fato, para essa ausência ainda não foi devidamente esclarecido. Nem será. Mas se o objetivo era, como dizem os donos do poder, prestar solidariedade ao Rio Grande do Sul, havia uma medida óbvia e mais eficaz. Repetir, em larga escala, o que vários clubes – para falar só de futebol – já colocavam em prática. Ou seja: recolher donativos na porta dos estádios e entregar parte das rendas das partidas de todo o país para amenizar a tragédia.
E eis que de repente a TV Globo percebe que não teria jogo no domingo à tarde. Assim, promove um evento tipo show para exibir, alegando que a maior parte do montante arrecadado terá como destino a terra gaúcha. E os cidadãos, de uma forma quase geral, aplaudem calorosamente a, digamos, iniciativa, por três razões principais. Se é funcionário, ou tem algum tipo de ligação com a emissora, o fará obrigatoriamente, como se fosse a criação mais original do planeta. Se é um simples espectador, também dirá amém, afirmando que a empresa é boazinha. E também reservou seu horário nobre para ajudar o próximo. Quanto aos astros que participam da coisa, é aceitar o convite de bom grado, caso contrário, ficarão com a imagem definitivamente arranhada. A própria TV providenciaria esse desgaste.
Futebol, atividade profissional
Infelizmente, as pessoas não conseguem compreender uma coisa. O futebol, em todo o mundo, é uma atividade profissional que emprega milhões de seres humanos de todas as idades, direta e indiretamente. Movimenta soma fantástica, talvez desconhecida para a maioria. Os prejudicados por essa paralisação vão desde o atleta ao sujeito que vende laranja na porta do estádio. Vão desde o proprietário da birosca que fatura algum com a transmissão de um jogo ao que produz bonés e bandeiras no quintal para negociá-los pela rua. E incluem notadamente uma boa quantidade dos cidadãos do Rio Grande do Sul que integram esse mercado, legal ou paralelo, para a sua sobrevivência.
A sorte do que vamos chamar aqui de economia da bola é que as divisões inferiores do futebol brasileiro, além de Copa do Brasil e Libertadores, tiveram continuidade. A pesar da atividade restrita, o trocado do cotidiano gerado por essa movimentação entrou no bolso de muita gente. Caso o contrário, o dano por essa paralisação teria sido absurdo.
Com referência ao âmbito exclusivamente esportivo, é interessante lembrar: a decisão dos donos do poder e da bola ampliou o problema criado pelo adiamento óbvio dos jogos dos gaúchos. Empilha mais compromissos, obrigando todos os clubes da elite a cumpri-los em datas e horários improváveis. Isso dificultará a presença de público, e logo, dos donativos, diminuindo também a arrecadação – ou parte dela – que poderia beneficiar a terra gaúcha.
Amistoso solidário também pela audiência
É bastante provável – quase evidente – que o valor da arrecadação do tal “amistoso solidário” seja infinitamente inferior ao que surgiria com a transmissão e a realização das várias partidas da Série A previstas pela tabela. Mas é fato que a Globo ganhará muito mais com o oportuno evento que criou, notadamente aplauso e simpatia que podem gerar a quantidade de audiência perdida nos últimos anos com o crescimento absurdo da internet. E por ouras razões.
Vamos evitar aqui comentários sobre explorações políticas em torno da tragédia do Rio Grande do Sul, que é uma herança maldita para pelo menos uma década. E não será um “amistoso solidário” que a dará fim ao problema. Mas, como dito, uma campanha em grande escala, até o fim da temporada, poderia – tal a sua dimensão – pelo menos amenizá-la.
A propósito, a chuva que arrasou os gaúchos, resolveu cair exatamente no domingo global, como se fosse um castigo dos céus.
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