"Vou chorar muito nessa Paralimpíada! O que esses atletas fazem é uma grande lição de vida para todos nós", diz um dos muitos tuítes brasileiros sobre os Jogos Paralímpicos do Rio 2016, na medida em que se aproxima a cerimônia de abertura, nesta quarta-feira.
A trajetória de como pessoas superaram deficiências que vão de cegueira até paralisia cerebral para se tornarem atletas é uma das principais razões citadas pelos espectadores - que já compraram 1,5 milhão dos 2,5 milhões de ingressos disponíveis.
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Os atletas, no entanto, aguardam ansiosos a oportunidade de mostrar que já deixaram a superação para trás.
"Queremos que as pessoas parem um pouco de ver que aquela pessoa não tem um braço ou não tem uma perna, que elas parem de ver a nossa deficiência e comecem a ver a eficiência", disse à BBC Brasil a nadadora Susana Ribeiro, de 48 anos.
"Acho que os brasileiros ainda tem a impressão de que somos 'coitadinhos'. E essa vai ser a melhor parte da Paralimpíada no Brasil: mostrar que somos atletas e que estão buscando objetivos."
Para o jogador de vôlei sentado Daniel Jorge Silva, de 35 anos, a notícia de que a venda de ingressos explodiu nas últimas semanas não foi surpreendente, mas deu alívio. Sua modalidade é uma das mais procuradas pelos torcedores.
"Eu não me preocupava pois eu sei que o brasileiro deixa as coisas para em cima da hora. Teremos casa cheia também porque a mídia começou a divulgar um pouco mais. Precisamos desse apoio e dessa divulgação", diz.
Segundo eles, muitos brasileiros ainda não sabem que o país é uma das potências do esporte paralímpico - e que estará competindo em casa.
Na Olimpíada do Rio, o Brasil conquistou o 13º lugar, sua melhor colocação na história dos Jogos. Mas em Londres 2012, o time paralímpico já havia levado o país à 7ª posição, à frente da Alemanha e imediatamente atrás dos Estados Unidos.
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Muitos espectadores podem estar sendo introduzidos a um universo esportivo novo e diferente, mas Daniel Silva ressalta que se trata da continuidade da mesma competição Olímpica de agosto.
"Quero que as pessoas saibam que acordamos cedo, treinamos tanto quanto os atletas olímpicos, às vezes mais, e somos pessoas normais. Temos apenas uma limitação, a deficiência. Por isso, precisamos de adaptações nas nossas modalidades. De resto, é igual."
Recorde de vendas
Na reta final da Olimpíada - que recebeu críticas pelo alto número de cadeiras vazias nos estádios - a notícia de que apenas 12% dos ingressos para os Jogos Paralímpicos estavam vendidos gerou previsões de evento esvaziado.
A baixa arrecadação levou a cortes na estrutura da Paralimpíada - que ainda precisou de uma injeção de R$ 100 milhões do governo federal e R$ 150 milhões da prefeitura do Rio.
Mas o cenário mudou quando, dias depois da cerimônia de encerramento da Olimpíada, o comitê Rio 2016 registrou um recorde de 145 mil ingressos vendidos em 24 horas, a primeira vez na história dos Jogos Paralímpicos.
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Agora, já são 1,5 milhão de ingressos vendidos da meta de 2 milhões. Em eventos como a Virada Paralímpica, no último fim de semana, algumas entradas também foram distribuídas. Em previsão otimista, comitê diz acreditar que, no ritmo atual das vendas, é possível que os ingressos esgotem.
"Primeiro vimos uma energia muito grande vinda dos Jogos Olímpicos e pessoas que simplesmente queriam estar no Parque Olímpico da Barra. Agora, vemos torcedores que estão buscando por atletas e partidas específicos", disse o diretor executivo do Comitê Rio 2016, Mario Andrada.
Iniciativas como a do intérprete carioca Richard Laver, de 39 anos, ajudaram a dar impulso à explosão das vendas nos últimos dias.
"Eu comprei muitos ingressos para a Olimpíada com antecedência e sabia que seria maravilhoso. Mas quando vi o baixo nível de adesão à Paralimpíada, aquilo me deixou triste", disse à BBC Brasil.
Laver decidiu pedir que seus amigos no Facebook fizessem contribuições para a compra de ingressos para crianças carentes - e que doassem seu tempo como voluntários para levá-las. Queria que elas tivessem a mesma experiência que ele teve aos 18 anos, quando assistiu pela primeira vez a um jogo de futebol de 5, levado por um professor.
"Foi algo marcante ver aquelas pessoas cegas, de quem eu tinha pena, jogando. Aquilo me fez ver pessoas com deficiência de forma completamente diferente."
Os planos de arrecadação, no entanto, mudaram. "A coisa tomou uma proporção tão grande que tive que mudar os planos. Achei que seria só um grupo pequeno de amigos contribuindo, como volta e meia fazemos, mas muita gente que eu não conhecia veio falar comigo querendo participar."
Após conversas com duas escolas municipais do Rio, ele conseguirá levar 450 crianças do ensino fundamental e 50 professores para jogos de goalball, voleibol sentado e basquete de cadeira de rodas - esportes com os quais eles estão mais familiarizados.
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"Eles estão superfelizes e empolgados. E eu vou tentar ir todos os dias com eles. Quero que elas crianças percebam que é possível vencer obstáculos na vida", afirma.
Futuro do esporte
Para o tetracampeão mundial de canoagem paralímpica Fernando Fernandes, de 35 anos, o obstáculo a vencer agora é justamente o pouco conhecimento sobre o universo paralímpico no país.
"Precisamos sair das histórias pessoais dos atletas e começar a explicar para as pessoas como o esporte funciona. Não é que falte reconhecimento para os atletas no Brasil. É que os brasileiros nem conhecem os esportes", disse à BBC Brasil.
Fernandes - que já era famoso como participante do reality show Big Brother Brasil e tornou-se campeão de paracanoagem após um acidente de trânsito - ficou de fora da Paralimpíada do Rio após não conseguir se classificar.
"Precisamos aproveitar esse momento e decidir para onde o esporte paralímpico vai. Precisa ser mais organizado, mais profissional", reclama.
Mesmo fora da competição, ele diz que fará sua parte para educar os espectadores como comentarista de TV.
"Isso aqui não é inclusão de pessoas com deficiência. Nós somos os melhores, a elite do esporte. As pessoas tem que assistir porque é sensacional, não por causa de superação. Nem os atletas aguentam mais isso."