"Quero ver a cara dele. Vamos fazer piada com ele também". É assim que Mike Tancred, diretor de comunicações da delegação da Austrália nos Jogos Olímpicos, prevê o encontro na tarde desta quarta-feira com o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), que entregará a chave da cidade aos australianos - e receberá destes um "canguru boxeador" de pelúcia, o mascote do time.
O evento, marcado para as 13h, ocorre três dias após o prefeito ter dito que estava "quase botando um canguru na frente do prédio deles, para ficar pulando e eles se sentirem em casa" em resposta às críticas da delegação sobre a Vila dos Atletas, considerada "inabitável".
"Nós achamos que foi uma atitude engraçada, e sabemos que ele organizou a entrega da chave das instalações e da chave da cidade. Vamos entregar em troca o nosso mascote de pelúcia, o canguru boxeador. Queremos fazer piada com ele também", diz.
Foi Tancred quem, ainda no domingo, respondeu a Paes dizendo "não precisamos de cangurus, precisamos de encanadores para dar conta dos vários lagos que encontramos em nossos apartamentos".
Diante da repercussão negativa internacional de suas declarações, o prefeito do Rio voltou atrás. "A minha declaração foi no sentido da declaração da Austrália, de que tinha de fato encontrado problemas, que era compreensível, e que a gente tinha que ajustar isso. E aí a ideia de que a gente queria criar um ambiente australiano", disse.
"O Comitê Organizador vai cumprir seu papel, a prefeitura está ajudando, disponibilizamos homens da Comlurb lá. A situação hoje é bem melhor, de fato o prédio da Austrália é o pior prédio. Mas está bem avançado, temos tido relatos do Comitê Organizador, que é responsável pela Vila, que as coisas estão caminhando bem e tem gente nossa lá trabalhando e ajudando", acrescentou o prefeito.
Ainda no domingo, fontes do Comitê Rio 2016 disseram à BBC Brasil que "todo o esforço para resolver a questão estava sendo feito", e que os problemas eram "preliminares", mas que "tudo estaria pronto a tempo para as Olimpíadas", marcadas para começar no dia 5 de agosto.
'Stress test'
Ao chegarem às acomodações olímpicas, na Barra da Tijuca, os australianos fizeram o que chamam de "stress test", acionando todas as descargas de todos os banheiros dos quartos, ligando todas as luzes e usando tomadas. O resultado foi vazamentos pelas paredes e teto dos quartos, curto-circuitos, faíscas, cheiro de gás e outros problemas, como fios desencapados e sujeira. Após revelarem o assunto à imprensa internacional, os chefes da delegação levaram os atletas para hotéis da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, mesma região onde está localizado o Parque Olímpico.
Apesar de inicialmente minimizar os problemas, os organizadores voltaram atrás e admitiram que metade dos 31 prédios de 17 andares estava "inacabada". Mais de 600 encanadores, eletricistas e outros funcionários trabalham desde então para resolver os problemas e o assunto virou manchete ao redor do mundo como a primeira grande notícia das Olimpíadas após o início da chegada dos atletas.
"Disseram que nós estávamos criando confusão", diz Tancred em entrevista à BBC Brasil. "Mas a verdade é que estamos preocupados com a segurança dos nossos atletas. Dissemos que não era seguro para eles estarem ali e os levamos para hotéis, e de fato não era, tanto que outros países também identificaram problemas", complementa.
Para ele, graças ao alerta da Austrália, o COI ordenou uma revisão geral das acomodações e uma série de problemas foram encontrados.
Tancred contou que, na noite de terça-feira, os cerca de 50 atletas que já estão no Rio, de um total de 420 que integram a delegação, começaram a se mudar de volta para a Vila Olímpica.
"Apesar dos esforços, três quartos ainda têm problemas. Três quartos diferentes, em três andares diferentes. São problemas de encanamento, como banheiros entupidos e vazamentos, mas esperamos que serão resolvidos", diz.
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Para o australiano, outra questão ainda não resolvida é a sujeira. "Já levaram o entulho, o que sobrou de canos, fios e dos consertos. Mas o ambiente ainda precisa ser limpo. Há muita poeira, sujeira mesmo, além de manchas no chão. Eles precisam melhorar muito a limpeza", explica.
Confusão e força-tarefa
Desde o domingo, outras delegações encontraram problemas. A Argentina também considerou a Vila dos Atletas "inabitável", e Brasil, Itália, Estados Unidos e Holanda tiveram que contratar encanadores e eletricistas do próprio bolso para fazer reparos emergenciais.
Ao menos Reino Unido e Nova Zelândia também fizeram reclamações, e na tarde de terça-feira a delegação da Suécia decidiu abandonar a Vila e se hospedar em hotéis.
A confusão levou o Comitê Olímpico Internacional (COI) a realizar reunião de emergência com os chefes das delegações, ainda no domingo.
Em resposta, os organizadores garantiram que tudo estará pronto a tempo dos Jogos e que os esforços para realizar os reparos estão sendo feitos.
"Quando chegamos, a primeira impressão, do lado de fora, foi excelente. Esta é provavelmente a Vila Olímpica mais espetacular que já vi. Parece o Hotel Hilton, com lagos, fontes, jardins, quadras de tênis. É tudo de primeira classe. O problema é que no interior ainda há questões estruturais e muita coisa inacabada, como o encanamento", diz Tancred.
Prefeita da Vila Olímpica, a ex-jogadora da seleção feminina de basquete Janeth Arcain disse na segunda-feira que os problemas estariam resolvidos até o fim desta semana.
"O que nós temos é o relato da Austrália em relação a alguns vazamentos e alguns fios elétricos soltos. Isso está sendo revolvido. Mas em relação a essas fotos que o pessoal divulga, tenho minhas dúvidas, quem me diz que não pode ter sido antes até da entrega? É importante citar que temos uma força-tarefa que está trabalhando para que tudo seja resolvido no menor prazo possível", disse à imprensa local.
Polêmicas
Esta não é a primeira vez que o conjunto de 31 prédios protagoniza polêmicas na imprensa internacional. Construído pelas empreiteiras Carvalho Hosken e Odebrecht, após as Olimpíadas o empreendimento dará lugar a apartamentos de luxo que devem ser vendidos por até R$ 1 milhão cada.
No início deste ano, a imprensa local divulgou que dos 3.604 apartamentos que integram o empreendimento, batizado comercialmente de "Ilha Pura", somente 8% já tinham sido vendidos, devido à crise econômica.
No ano passado, em entrevistas à BBC Brasil e ao diário britânico The Guardian, Carlos Carvalho, proprietário da Carvalho Hosken, causou polêmica ao responder às críticas de que nenhum dos apartamentos seria convertido em moradias sociais, como ocorreu nos Jogos de Londres, em 2012, e em outras Olimpíadas anteriores.
"Para botar tubulação de água e de luz há um custo alto, e quem mora paga. Como é que você vai botar o pobre ali? Ele tem que morar perto porque presta serviço e ganha dinheiro com quem pode, mas você só deve botar ali quem pode, senão você estraga tudo, joga o dinheiro fora. Há muitos bairros que agasalham pessoas com poder aquisitivo mais modesto", disse à BBC Brasil na época, justificando as críticas.
No site da Carvalho Hosken, o diretor-geral da "Ilha Pura", Maurício Cruz, diz que o empreendimento é de "alto nível" e que o "atleta precisa de conforto".
"Serão apartamentos de alto nível. Em Londres, por exemplo, o alojamento era simples. O Rio de Janeiro já tinha concorrido recentemente, outras duas vezes, à sede dos Jogos (em 2012 e 2004, além de ter feito outras tentativas em 1936, 1944, 1948 e 1960), mas desta vez, ofereceu um terreno mais confortável para o projeto. Por mais que as Olimpíadas sirvam também para desenvolver a área no seu entorno, o atleta precisa de conforto, de uma região agradável e com estrutura já pronta", diz.