A Corrida Internacional de São Silvestre tem como maior campeão o queniano Paul Tergat , com cinco vitórias. Este recorde poderia ser maior, se não fosse um brasileiro. Em 1997, há exatos 20 anos, Tergat chegou para disputar a tradicional corrida de rua do dia 31 de dezembro, em São Paulo, como favorito após ter vencido as duas edições anteriores. Ele não contava, no entanto, com o paranaense Emerson Iser Bem, que iniciava sua carreira e tinha 24 anos na época.

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O brasileiro Emerson Iser Bem superou o queniano Paul Tergat na São Silvestre de 1997
Arquivo pessoal
O brasileiro Emerson Iser Bem superou o queniano Paul Tergat na São Silvestre de 1997

“Foi uma prova que a gente não estava preparado para a vitória, porque não treinávamos exclusivamente para ela. Em determinado momento, porém, eu estava no pelotão da frente e após colocar na cabeça que se ficasse entre os dez primeiros seria muito bom, eu reprogramei minha meta para chegar entre os cinco e depois fiquei isolado com o Tergat na minha frente”, conta Emerson Iser Bem , em entrevista ao iG Esporte .

“Depois disso, eu queria ser o primeiro brasileiro, porque o primeiro brasileiro ganhava um carro, mas o Vanderlei (Cordeiro de Lima) era melhor que eu na subida, mas naquele dia eu estava melhor. No final, no entanto, após analisar cada parte do percurso e saber o tempo que levava em cada um, eu pensei o melhor que podia fazer e na subida da Brigadeiro (avenida Brigadeiro Luis Antonio, um dos principais trechos da São Silvestre). Como muitas pessoas não sabiam meu nome, eles gritavam ‘Brasil, Brasil’, e eu mentalizei muito isso e foi determinante. Eu deixei de ser Emerson e passei a ser Brasil. Quando você se coloca como o representante brasileiro você se sente mais forte porque está ali por uma nação e a adrenalina é incrível. E com uma bandeira brasileira que colei no meu uniforme consegui vencer”, acrescenta.

Natural de Santo Antonio do Sudoeste, divisa com a Argentina, Iser Bem começou a correr quando ainda era criança e integrou um projeto chamado “frutos da terra”. Na década de 1990, mais precisamente entre 1996 e 1998, viveu a melhor fase da carreira. “Eu estava numa fase excepcional e com sorte, que é uma junção de ocasião e preparação. Eu tive uma fase muito boa e a sorte foi chegar no final daquela prova bem e, além disso, pegar o Tergat em um dia que ele não conseguiu reagir”, diz.

Hoje aposentado da carreira de corredor, mas empresário no ramo de cronometragem de corrida de rua com chip no interior paulista, Emerson disputava também corridas de Cross, que são provas em terrenos naturais como areia e grama, e, em 1996, ele venceu uma importante disputa em solo português desta modalidade e é, até hoje, o único atleta do Brasil a alcançar tal feito.

“Eu sou o primeiro e único brasileiro vencedor do GP de Cross, que são algumas provas que somam pontos e só vão atletas convidados. Em 1996 eu venci em Portugal, no Cross das Amendoeiras, uma prova da Federação Internacional de Atletismo. Eu corri em 29m50s pra 10.100 metros. As provas são compostas por voltas e oscilam de oito a 12 km, são bem tradicionais. Eu também tenho uma participação muito boa no Cross de Sevilha, em 1997, que acontece em volta das ruínas das cidades que os romanos deixaram ali. Eu corria muito essas provas, eu visava essas provas, era o meu grande objetivo. E elas me ajudaram bastante tecnicamente, pois são provas de nível técnico muito alto”, relembra.

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O ex-atleta fala também como foi sua relação com Paul Tergat, principal corredor na década de 1990, após derrota-lo em São Paulo. “Na época da São Silvestre eu já tinha conversado um pouco com ele (Tergat). Naquele ano eu tinha participado de uma prova na Suíça e a gente tinha ficado junto no hotel com uns 20 e poucos atletas de elite. E como ficamos no mesmo hotel eu já tinha tirado umas fotos com ele. Depois da São Silvestre chegamos a conversar no Uruguai, mas ele nunca tocava no assunto (São Silvestre)”.

No ramo empresarial, como já foi dito, Iser Bem ressalta que precisou parar de correr profissionalmente por conta de problemas físicos. “Eu corri até 2006, mas a partir de 2001 passei a ter muitos problemas com lesões porque sempre tive uma estrutura física mais forte e pesada e os tendões cobraram o preço. Me graduei em educação física, fiz especialização na área de fisiologia do exercício e por formação sou fisiologista. Trabalhei um pouco na área, como treinador”, revela.

“Várias vezes desde 2006 eu tentei voltar, mas queria correr rápido e me lesionava. Em 2009 ou 2010 cheguei a correr na São Silvestre, mas como treinador acompanhando uma pessoa. Hoje eu corro às vezes com minha mulher, faço caminhada com meu filho. Esse ano eu coloquei como meta realizar 100 corridas e estou muito próximo disso. Devo correr a São Silvestre, inclusive, mas como ‘mdi’, que significa ‘mais devagar impossível’ [risos]. Minha parte cardiológica responde bem, mas os tendões machucam facilmente”, continua Emerson.

A última vitória verde e amarela na Corrida de São Silvestre foi em 2010, com Marílson Gomes dos Santos. De lá pra cá, os africanos dominam a prova. Para Iser Bem, sempre existe chances de brasileiros vencerem, mas depende muito dos adversários e da preparação. “A situação dos atletas de ponta (brasileiros) é complicada, tem uns meninos bons, mas são poucos, então tem dois ou três atletas que você pode dizer que tem chance esse ano. Mas depende muito dos adversários que vêm pra prova”, afirma.

“Se a São Silvestre fosse hoje como era nos anos 1990 viria o Mo Farah, o inglês campeão em Mundiais. Hoje vêm atletas bons, mas não os melhores, os olímpicos, por exemplo. Mas existe a chance para brasileiros, sim, depende dos adversários e da preparação. O Franck Caldeira venceu em 2006, por exemplo, porque estava preparado e existiu a ocasião”, continua.

Novos talentos

Por fim, o vencedor da São Silvestre de 1997 diz o que é preciso ser feito para que os jovens voltem a se destacar no atletismo e critica algumas atitudes da Confederação Brasileira. “O país precisa criar um plano nacional de gerenciamento dos talentos que surgem, precisa tratar melhor os talentos que surgem. Porque chega uma certa idade o moleque quer o dinheiro dele e nesse ponto acredito que a Confederação investe errado. Por que ficar com patrocínio vitalício pra cara que já foi atleta ou investir em cara que já tem condições de ter patrocínio externo ao invés de ter um investimento maciço nas crianças?”, questiona.

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“A maioria dos atletas surgem em lugares desprivilegiados e já crescem em uma competição pra conseguir alguma coisa. Então, se tem alguma criança com talento ali, por que não dar um auxílio pra esse moleque e depois que ficar mais velho fazer uma avaliação técnica e ver se tem potencial”, acrescenta. “Precisa dar uma sequência para os jovens que foram campeões mundiais juniores em 2012, por exemplo. Hoje ninguém sabe onde eles estão. Precisa de um estudo para avaliar isso e só assim creio que vai haver uma melhora”, finaliza Emerson Iser Bem.

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