Casagrande
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Casagrande

A partir desta quinta-feira, a vida de Walter Casagrande Jr. será esmiuçada em “Casão – num jogo sem regras” (Globoplay). Não é a primeira vez que ele se abre. O ídolo do Corinthians e um dos idealizadores da Democracia Corintiana já se revelou em livros e reportagens.

Nascido na geração pós-hippie, como gosta de enfatizar, tem na liberdade seu lema. Uma faca de dois gumes. Quando não soube utilizá-la, caiu na dependência química. Mas, hoje, esse espírito livre é o que o permite olhar para sua trajetória com orgulho e sem medo de emitir opiniões.

Você sempre foi um livro aberto, de forma rara. Qual é o capítulo do Casagrande que ainda não vimos?

Vamos por partes. Sempre fui aberto porque é minha filosofia de vida. Eu venho do movimento pós-hippie. Então eu tenho um instinto de verdade altíssimo. Passei muitos anos sem saber lidar com o tamanho da liberdade que eu tenho dentro de mim. Por isso que entrei em várias roubadas. Hoje eu tenho o mesmo instinto, mas eu consigo ter o limite. Eu jogo aberto com as pessoas. Principalmente em relacionamentos, porque não gosto de me sentir preso.
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Então as coisas foram acontecendo muito por eu não saber lidar com a minha liberdade. Eu fui afundando para dependente químico e compulsivo. E aí deu a merda, né? E você perguntou o que vai ver de diferente. Vocês vão ver tudo diferente lá (na série). Porque o que sai na mídia sobre mim são os meus comentários sobre futebol, minhas opiniões políticas, a minha história com a droga, a recuperação... Mas ninguém sabe como foi minha infância, ninguém sabe como foi minha adolescência. Ninguém sabe o que passava na minha cabeça ou o que eu sofri, o que vivi. Ninguém sabe por que eu sou tão livre assim. Nos anos 80 ficou célebre a campanha “Dia 15 vote” na camisa do Corinthians.

Em 2022, houve mobilização para os jovens tirarem o título de eleitor. No futebol, os clubes aderiram, mas não vimos jogadores em atividade?

O ultrapassado aqui participou para convocar a juventude a tirar o título. Agora, os modernos... Não estão nem aí. Eu perdi um pouco o tesão de ficar cobrando voz de jogador que não tem resposta. Tirando o Richarlison, o Paulinho que era do Vasco, mais alguém que talvez eu não saiba, eles estão fechados no mundinho deles. Só querem ser celebridades, ter seguidores, postar roupa bonita.

Recentemente, houve ataques a jogadores nos aeroportos e até bomba em ônibus. Por que os próprios atletas não se mobilizam enquanto classe para se defender?

Eu não estou aceitando. O problema é que eles estão. O único cara que eu vi batendo nisso é o Roger Machado, (técnico) do Grêmio. É preciso haver uma mobilização nacional. Principalmente dos principais jogadores. Você não pode pedir isso aos caras da Série B ou da C. Quem tem que fazer isso são os que estão na Europa, que não estão nem aí com os problemas da sociedade brasileira. Esses caras tinham que ter voz forte para tentar proteger os próprios companheiros daqui. A grande maioria são celebridades, com atividades em redes sociais. Hoje em dia os caras são egocêntricos, postam qualquer porcaria nas redes sociais para aumentar seguidores. Mas se alguém postar assim "Nós temos que lutar contra o racismo na sociedade brasileira" vai ser atacado, perde seguidores. E isso eles não querem.

O futebol está menos tolerante?

O futebol dá visibilidade. Mas, na realidade, é a sociedade brasileira que é machista, é racista, é homofóbica. As pessoas estão podendo fazer injúrias raciais, serem homofóbicas e agredir mulheres porque o próprio presidente faz isso. Então, aqueles que são iguais a ele estão com aval e estão falando, agredindo, e estão armados. Está tudo como o diabo gosta, né? Como diz a música do Belchior. O que acontecia antes? Era do mesmo jeito. Só que essas pessoas não tinham coragem de pôr a cara para fora.

Como o futebol brasileiro lidava com estas questões na sua época de jogador?

Na minha época era muito velado. Havia brincadeiras com as pessoas negras ou tiração de sarro com outro jogador falando coisas homofóbicas. O cara reagia, ficava puto. Então ficava engraçada a situação. Existia muito dessas brincadeiras dentro de um time de futebol. Em todos os clubes. Só que eu sempre tive uma formação diferente da grande maioria dos jogadores. Fui criado por três mulheres. Então fui crescendo tendo conhecimento do universo feminino. Eu brincava, mas era com menos intensidade. O Sócrates também. Porque a gente tinha outros interesses, que era lutar pela democracia na época da ditadura e bancar a Democracia Corintiana.

Como é para você, que por tantos anos vestiu a camisa da seleção, vê-la usada por esse lado político em atos antidemocráticos?

Quando começaram a aparecer essas camisas da seleção do lado que é contra a democracia, eu gravei um vídeo com a camisa que tinha usado na Copa de 1986 e falei: "Joguei com essa camisa e hoje ela foi sequestrada por pessoas antidemocráticas, racistas, machistas e homofóbicas." E essa camisa nunca esteve daquele lado. Sempre esteve do lado da liberdade e da democracia. Ela foi a decoração das Diretas Já. Essas cores também fizeram parte da decoração dos caras pintadas. Então, hoje em dia, um dos nossos deveres é resgatar a camisa amarela. É chegar até o cativeiro desses caras, salvar a camisa amarela da seleção brasileira e trazer para o lado da democracia e da liberdade. Porque é essa a mensagem que ela sempre passou".

Como está sua expectativa com a seleção na Copa?

O Brasil passou quatro anos jogando contra os mesmos caras. É Peru, Venezuela, Bolívia, Equador, Chile, Argentina e Uruguai. Duas Copas América e as Eliminatórias. Aí falam assim: "O Brasil é favorito, pegou o primeiro lugar nas Eliminatórias disparado". Pô, nós somos muito melhores do que eles. Dá para você ter uma base do nível que a seleção está jogando por ganhar sempre da Bolívia, da Venezuela, do Equador? Eu não tenho a mínima ideia do potencial da seleção brasileira, para te falar a verdade. O que que eu posso comparar é: eu olho Eurocopa e vejo os campeonatos europeus, como a Champions League e a Premier League. Aí eu vejo Libertadores, Copa América e Campeonato Brasileiro. Pô, aquilo lá é outro futebol. Nós não jogamos o futebol atual.

Aí falam: "Ah, mas os jogadores do Brasil atuam na Europa". Tudo bem. Lá eles jogam com intensidade. Mas quando vêm para cá a seleção brasileira é lenta, demora para chutar no gol, não tem criatividade. Melhorou agora com o Vinicius Junior em alta, o Antony em alta. São jogadores habilidosos, daquela escola brasileira que ginga, que vai para cima.

Mas enquanto não jogarmos com uma seleção europeia... E não vamos jogar, porque a primeira vai ser a Sérvia já na Copa do Mundo. Então como nós vamos saber? Como que eu posso dizer que estou com uma expectativa boa, que o Brasil está bem? Eu não consigo falar isso. Eu não sou ufanista. Eu sou um comentarista. Eu sou pago para analisar o jogo e comentar. E eu analiso com muita frieza. Tudo bem, os caras respeitam a nossa seleção, têm uma certa cautela. Mas se o Brasil não chegar lá com intensidade e agressividade não vai conseguir chegar numa final.

Você sempre foi crítico ao Neymar. Acha que ele pode liderar o Brasil no Catar?

A impressão que as pessoas têm é que eu sempre critiquei o Neymar, mas do dia em que ele estreou no Santos até o último dia no Barcelona eu só o elogiei. Quando foi para o PSG, eu falei que ele estava fazendo escolha errada. Porque o PSG não tem camisa, não tem história e ele estava achando que ia resolver. Aí depois eu comecei a ver outras coisas do Neymar. Em 2017, falei que ele era mimado. Caiu o mundo.

O pai dele fez uma carta, um texto super preconceituoso por causa do meu passado de dependência química. E aí, na Copa, o cara só se jogou no chão e rolou. Foi deboche e piada no mundo todo. De lá para cá, o Neymar teve muitas contusões, escolheu errado os momentos de festas. A Copa do Mundo dele foi a de 2018, quando ele era quatro anos mais novo, só com uma contusão que tinha tido meses antes. Ele tinha explosão, mudança de direção, velocidade. Hoje, por causa das contusões que teve e também pela falta de seriedade no comportamento como um todo, não tem mais arranque e explosão. Ele tem experiência, drible e técnica. Ele pode enfiar uma bola. Mas você não vê mais o Neymar pegando a bola e partindo para cima do adversário e gingando, indo pro fundo e em diagonal. Hoje, quem faz isso é o Vinicius Junior. E o Antony do lado de lá. Então, o Brasil pode ser campeão sim. Porque a seleção é experiente. Mas não vai ser através do Neymar. Eu não vejo o Neymar como o jogador que pode fazer a diferença para ganhar a Copa. Eu acho que pode ser o conjunto do time.

Na Copa-2018, você celebrou terminar o torneio sóbrio. Qual é a mensagem que você quer dar em 18 de dezembro, ao fim do Mundial do Catar?

Depende. Posso falar "Parabéns, Brasil. Nós fizemos a escolha certa". Ou posso falar "P..., nós vamos passar mais quatro anos no inferno". Vai depender porque a eleição é em outubro. A minha mensagem vai depender do voto. A que posso dar hoje é: "Pessoal, vamos analisar direito. Presta atenção no que nós estamos vivendo há quatro anos. Escolha direito seu voto para o lugar certo. Você pode escolher entre o ódio e o amor. Entre uma ditadura e uma democracia. Então escolha direito".

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