Seid
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O futebol italiano está de luto após a trágica perda do jovem jogador Seid Visin, de apenas 20 anos. Ele, que chegou a atuar nas categorias de base do Milan - ao lado do goleiro Gianluigi Donnarumma (hoje destaque da seleção italiana) - foi encontrado enforcado em casa, na última quinta-feira, na Itália.

De acordo com a imprensa local, que em um primeiro momento divulgou que a morte tinha ocorrido em virtude de uma doença, o jogador deixou uma carta onde explica o que o motivou a cometer o ato. De uma forma geral, o atleta, que era origem etíope e foi adotado ainda criança por um casal da província de Salerno, fala do racismo que vinha sofrendo naquele país.

(Veja na galeria abaixo fotos do jogador)

“Onde quer que eu vá, sinto o peso dos olhares céticos, preconceituosos, enojados, amedrontados das pessoas sobre meus ombros como uma pedra", afirmou ele em um dos trechos da carta.

Seid, que largou o futebol de campo em 2016 e passou a se concentrar nos estudos e se dedicar ao futsal, atuando pelo Atlético Vitalica, contou um dos momentos em que sofreu preconceito.

“Consegui arranjar um emprego que tive de abandonar porque demasiadas pessoas, principalmente as mais velhas, recusaram o meu serviço. Como se eu já não estivesse me sentindo à vontade, eles me acusaram de ser responsável porque muitos jovens (e brancos) italianos não conseguiram encontrar um emprego", apontou.

O goleiro do Milan, Donnarumma, falou sobre a perda do amigo. “Conheci o Seid assim que cheguei a Milão, vivíamos juntos em um internato, alguns anos se passaram, mas não posso e não quero esquecer aquele sorriso incrível dele, aquela alegria de viver. Ele era um amigo, um menino como eu", afirmou.

Durante o funeral, a carta deixada pelo jovem foi lida aos presentes e, ao término, foi seguida de muitos aplausos.

Leia a carta completa:

“Diante desse cenário sociopolítico particular que paira na Itália, eu, como pessoa negra, inevitavelmente me sinto questionada. Não sou imigrante. Fui adotada quando era pequena.

Diante desse grande fluxo migratório, lembro com um pouco de arrogância que todos me amavam. Onde quer que eu estivesse, onde quer que fosse, onde quer que eu estivesse, todos se voltavam para mim com muita alegria, respeito e curiosidade. Agora, porém, essa atmosfera de paz idílica parece tão distante; parece que tudo virou de cabeça para baixo misticamente, parece aos meus olhos que o inverno caiu com extrema impetuosidade e veemência, sem aviso, em um claro dia de primavera.

Agora, onde quer que eu vá, onde quer que esteja, onde quer que esteja, sinto nos ombros, como uma pedra, o peso dos olhares céticos, preconceituosos, revoltados e amedrontados das pessoas. Há alguns meses consegui arrumar um emprego que tive que deixar porque muita gente, principalmente idosos, se recusou a ser atendida por mim e, como se não bastasse, como se já não me sentisse incomodada, também apontaram à responsabilidade pelo fato de que muitos jovens italianos (brancos) não conseguiram encontrar trabalho.

Depois dessa experiência algo mudou dentro de mim: como se na minha cabeça se tivessem criado alguns automatismos inconscientes e por meio dos quais aparecesse em público, em uma sociedade diferente do que realmente sou; como se tivesse vergonha de ser negro, como se tivesse medo de ser confundido com um imigrante, como se tivesse que provar às pessoas que não me conheciam, que eu era como elas, que era italiano, que Eu era branco.

O que, quando estava com meus amigos, me levava a fazer piadas de mau gosto sobre negros e imigrantes, mesmo com ar trovejante dizia que era racista com os negros, como que para afirmar, como para enfatizar que não faço foi um desses, que eu não era um imigrante. A única coisa que estava dominando, no entanto, a única coisa que era compreensível na minha maneira de fazer as coisas era o medo.

O medo do ódio que vi nos olhos do povo pelos imigrantes, o medo do desprezo que senti na boca do povo, mesmo dos meus familiares que invocavam constantemente com melancolia Mussolini e chamavam de “Capitão Salvini”.

A decepção em ver uns amigos (não sei se os posso definir assim) que quando me veem cantam em uníssono o refrão "Casa Pound". Outro dia, um amigo, também adotado, disse-me que há algum tempo jogando futebol alegre e despreocupado com seus amigos, algumas senhoras se aproximaram dele dizendo: "Aproveite o seu tempo, porque daqui a pouco virão buscar você para levá-lo de volta ao seu país".

Com estas minhas palavras cruas, amargas, tristes, às vezes dramáticas, não quero implorar por comiseração ou dor, mas apenas para me lembrar que o desconforto e o sofrimento que estou experimentando são uma gota d'água em comparação com o oceano de sofrimento que estou experimentando.

Vivem aquelas pessoas de dignidade marcada e vigorosa, que preferem morrer a levar uma vida na miséria e no inferno. Essas pessoas que arriscam a vida, e muitos já a perderam, só para cheirar, para saborear, para saborear o sabor do que chamamos simplesmente de Vida”.

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