
O uso do gramado sintético no futebol brasileiro ganhou mais um capítulo polêmico recentemente. Nomes importantes como Neymar, Thiago Silva e Philippe Coutinho se pronunciaram contra o uso desse material.
No futebol brasileiro, diversos clubes, incluindo alguns das séries A e B, utilizam gramados artificiais. Entre eles estão o Palmeiras (Allianz Parque), Athletico-PR (Ligga Arena) e Botafogo (Nilton Santos). O estádio do Pacaembu, recentemente reformado, também adotou o modelo, assim como o Atlético-MG, que deve implementá-lo na Arena MRV.
No pronunciamento contra o sintético, os jogadores destacaram que a preocupação com a qualidade do gramado vai além do aspecto estético, impactando diretamente no desempenho em campo e na segurança dos atletas. Eles ressaltaram que, nas ligas de alto nível, há um esforço contínuo para garantir boas condições nos estádios, com investimentos e diálogo constante entre clubes, federações e jogadores.
A principal dúvida levantada é: os gramados sintéticos prejudicam a saúde dos atletas? Eles aumentam o risco de lesões? Segundo o Doutor Getúlio Bernardo, médico do esporte, não há evidências que comprovem essa relação.
“Não há evidências de um risco geral maior de lesões em campos sintéticos modernos em comparação com grama natural bem mantida. Estudos em jogadores de elite, amadores e jovens não mostram diferenças significativas no risco geral de lesões entre os dois tipos de superfície. No estudo com maior número de jogadores de futebol até o momento, mostrou-se uma incidência maior de lesões ligamentares, tanto de tornozelo como joelho, em campos sintéticos e um número maior de lesões musculares em gramados naturais. Mas existem outros fatores que podem estar relacionados a essas diferenças, como o tipo de chuteira utilizada no gramado sintético, por exemplo”, disse.
Luiz Mourão, também médico do esporte com passagens pelo Santos Futebol Clube e seleção brasileira de base, destaca que as recomendações médicas atuais enfatizam a importância de diversos fatores, independentemente de o campo ser natural ou sintético. Veja abaixo os aspectos levantados pelo profissional:
- Garantir a manutenção adequada e a qualidade do campo (seja sintético ou natural);
- Monitorar continuamente as condições da superfície;
- Implementar programas de prevenção de lesões que considerem as especificidades da área de atuação dos atletas;
Mourão também ressalta outro quesito fundamental: a importância do controle de carga ao longo da temporada.
"Na minha opinião, isto deveria ser motivo de reflexão entre todos envolvidos com saúde e performance dentro do futebol, visto que estamos presenciando temporadas com clubes brasileiros realizando mais de 80 jogos ao longo do ano. Isso representa uma média de dois jogos por semana no ano inteiro, fato que contribui de maneira significativa para o surgimento de lesões no esporte, independentemente do tipo de gramado".

Sergio Schildt, presidente da Recoma, maior empresa de infraestrutura esportiva da América Latina, que já instalou mais de 2 milhões de m² de grama sintética no Brasil, destacou que a evolução do material é respaldada por estudos científicos, como um realizado pela revista "The Lancet" em 2023, que apontou uma incidência 14% menor de lesões em campos sintéticos.
"Eu fico com a ciência. Um estudo realizado em 2023 pela "The Lancet", uma conceituada revista de medicina, que revisou mais de 1.500 artigos e estudos sobre lesões em campos naturais e sintéticos, constatou que houve uma incidência menor de lesões na grama artificial: 14%. A questão é que a grama sintética evoluiu muito. Os próprios testes realizados pela Fifa têm princípios científicos e físicos que atestam a sua qualidade. Os campos atuais, de última geração, possuem amortecedores mecânicos que ajudam tanto na drenagem como na absorção de impacto, o que contribui para uma maior longevidade na carreira dos atletas. Para se ter uma ideia, um desses testes realizados é o de retenção dos pés dos atletas. Nele são feitos ensaios rotacionais em que é preciso ter força de newton para ver se a grama resiste ou se desliza. É necessário ter um equilíbrio entre o deslizamento e a retenção, ou seja, a retenção demasiada geraria contusões e a falta de deslizamento necessário não permitiria os giros que os atletas precisam fazer", afirma.
O que pensam os atletas e treinadores?
Tcheco, ex-jogador e atual treinador, acredita que o gramado sintético pode ter um grande impacto, especialmente em relação às dores dos atletas. Embora as tentativas de aproximar o sintético do natural sejam notáveis, ele afirma que a diferença é clara e perceptível para quem está em campo.
“Acredito que o gramado sintético pode impactar bastante, principalmente em relação às dores. Por mais que tentem chegar à perfeição ou à semelhança do gramado natural, há uma diferença muito clara e nítida para o atleta. Além disso, na questão técnica, para mim, sempre vai dificultar o desempenho do meu atleta em campo”, disse.
Luan Peres, zagueiro do Santos, compartilhou sua experiência sobre os impactos do campo sintético no corpo dos jogadores, especialmente para aqueles que já passaram por lesões, como ele, que sofreu com lesões de LCA e LCP. Embora não considere que o sintético cause lesões graves, ele destaca que, para atletas com joelhos comprometidos, o aumento do impacto no piso pode intensificar dores e desconfortos, como mialgias, tendinites e pequenas dores.
“Em termos de lesões, eu não acho que você vai ter uma lesão grave porque jogou no sintético. Não é isso, mas, por exemplo, eu já tive lesão de LCA e de LCP, então meu joelho já é cirúrgico, já teve uma cirurgia, não é mais 100% saudável como era. Como todos os jogadores que sofreram lesão, o joelho não volta 100% como antes. Então, acaba tendo umas mialgias, umas tendinites, umas dorzinhas que, quando você tem mais impacto no campo sintético, acaba gerando mais dor. Isso é normal. E vai acabar gerando mais dor, você vai sentir mais dor, porque o piso não é igual, o sintético é mais duro que o natural. O impacto é maior, então, sim, muda. Mas não falando de lesões, porque já falaram que cientificamente não tem problema”, relata.

Para Thiago Martins, zagueiro do New York City com passagens por Palmeiras e Bahia, o gramado natural é a melhor opção, mas ele se adapta ao sintético, apesar das variações entre os tipos de superfície. O defensor destaca que, nos Estados Unidos, muitos clubes estão adotando gramados sintéticos ou híbridos.
“As principais diferenças que sinto é que a bola fica muito mais rápida no sintético. Mas isso também depende do tipo de grama, porque tem o que pinga muito, tem o que corre mais. Então varia bastante, tem gramado que é meio a meio, tem o que é 100% sintético. Mas de toda forma, acho o natural melhor. Acho mais positivo para desempenhar o melhor futebol possível. Mas como aqui nos Estados Unidos, e aí no Brasil também, já estão tendo diversos times que estão mudando para o sintético ou até mesmo para o híbrido, percebemos que muitos jogadores não gostam muito, até se manifestaram recentemente. Particularmente, prefiro natural, mas não tenho tanto problema em jogar em sintético”, disse Thiago.
Mudanças táticas e técnicas dentro das quatro linhas
O ex-meia Tcheco também destaca a dificuldade da adaptação quando se enfrenta equipes com gramado sintético. Segundo ele, a principal complicação ocorre quando não há campos sintéticos disponíveis para treino antes da partida.
“A primeira dificuldade que encontramos é a questão da adaptação. Se vamos jogar, por exemplo, contra uma equipe que possui gramado sintético e nós não temos, muitas vezes não conseguimos encontrar um campo com esse tipo de gramado para fazer os treinos antes do jogo. Isso faz com que demoremos a nos adaptar ao longo da partida”, disse.
“Por mais que o atleta aqueça antes, não é o suficiente para iniciar uma partida nesse tipo de gramado. O correr da bola é diferente, o quique da bola é diferente, e o jogo acaba sendo muito mais acelerado”, completou.
Luan Peres relatou que, sempre que jogou em campos sintéticos, os treinadores da época costumavam fazer ajustes específicos, alertando a equipe sobre as diferenças da superfície. Para o defensor, essa preocupação prévia não é algo positivo, pois indica uma alteração nas condições habituais de jogo, o que pode interferir na performance da equipe.
“Eu acho que o ritmo de jogo muda, o jogo não fica como a gente espera. Tanto que, quando não agora, mas todas às vezes que fui jogar em campo sintético, o treinador da época já falava: 'Olha, o campo é sintético, então vamos trabalhar desse jeito, vamos fazer assim'. Então já havia preocupação por causa do campo, o que não acho legal”, disse Luan Peres.
Gramado mais quente por conta da borracha?
Adriano, conhecido como “Pagode”, ex-volante do Santos e Grêmio, que foi campeão da Libertadores em 2011 no time que tinha Neymar e Paulo Henrique Ganso, e que iniciou agora seus caminhos na beira de campo, como auxiliar técnico do Jabaquara, ressalta as dificuldades causadas pelo gramado sintético, destacando a questão da chuteira e o calor intenso, especialmente em regiões mais quentes, como a Baixada Santista.
“Com certeza, o desempenho não é o mesmo. Os atletas estão acostumados e preferem jogar com chuteira de trava e, no campo sintético, isso não é possível”, disse Pagode.
“Tem essa questão da chuteira e também, nos lugares mais quentes – aqui na Baixada é um exemplo – o calor no campo fica insuportável, devido à borracha”, completou.
Sergio Schildt afirmou que é possível jogar em condições de calor e chuva, desde que o campo sintético tenha boa drenagem, permitindo rápida absorção da água. Além disso, ele destacou que os campos modernos contam com canhões de resfriamento para controlar a temperatura do gramado.
"Nessas duas condições apresentadas, é possível ter jogo. A primeira orientação para aprovação de um campo sintético é a drenagem. É fundamental que o gramado, em qualquer condição de tempo, possa drenar rapidamente a água da chuva. Em relação ao calor, hoje os campos mais modernos possuem canhões de resfriamento que ajudam a controlar a temperatura do gramado", disse.

Já o defensor Thiago Martins ressalta que a diferença entre gramados sintéticos e naturais vai além da velocidade da bola e influencia diretamente na recuperação física dos atletas. Para ele, a temperatura elevada do sintético em dias quentes pode ser um obstáculo, mas não chega a comprometer o desempenho.
"Com certeza tem uma diferença considerável entre o gramado sintético e o natural. A temperatura do sintético, em dias quentes, atrapalha um pouco mas não tanto assim a ponto de afetar o desempenho, no meu ponto de vista", explica.
"O corpo demora muito mais para se recuperar porque o gramado é sempre mais duro. Normalmente eu preciso de dois dias para me recuperar de partidas em gramados naturais e para o sintético sinto que preciso de três dias para me sentir 100% novamente", completa.

Preparação física
Segundo o Doutor Luiz Mourão, os fundamentos do treinamento físico permanecem consistentes independentemente do tipo de gramado, mas ajustes específicos são necessários para adaptar os exercícios às características das superfícies sintéticas.
“De modo geral, os fundamentos do treinamento físico e do fortalecimento muscular permanecem os mesmos, independentemente do tipo de gramado. No entanto, o treino pode requerer ajustes específicos para considerar as características da superfície sintética, tais como:
Estabilidade e propriocepção: exercícios que aprimoram o equilíbrio e a resposta neuromuscular podem ser enfatizados para compensar eventuais variações na tração e na absorção de impacto.
Prevenção de lesões: a incorporação de exercícios de fortalecimento de músculos estabilizadores pode ajudar a minimizar riscos relacionados à menor absorção de impacto em superfícies sintéticas.
Assim, embora os princípios básicos do treinamento sejam universais, adaptações pontuais podem ser benéficas para otimizar o desempenho e reduzir o risco de lesões”, explica.
O Doutor Getúlio Bernardo afirma que, embora não exista um consenso médico sobre a limitação do número de jogos consecutivos em campos sintéticos, a gestão adequada da carga de treinamento e a comunicação eficaz entre as equipes médica e técnica são essenciais.
“Não há um consenso médico sobre limitar o número de jogos consecutivos em campos sintéticos, mas a gestão da carga e a comunicação entre a equipe médica e técnica são cruciais. A qualidade da comunicação interna nas equipes está associada a menos lesões e maior disponibilidade de jogadores”, explica.
De acordo com o Doutor Luiz Mourão, os atletas se adaptam de forma eficiente às pequenas variações no ambiente esportivo, uma vez que os fundamentos e a técnica do futebol permanecem consistentes. As mudanças mais significativas se referem a aspectos pontuais, como a prevenção de lesões, como abrasões, e a escolha adequada de equipamentos, como os de tração.
“Na prática, os atletas se adaptam rapidamente a essas pequenas variações, e os movimentos básicos e a técnica do futebol permanecem praticamente os mesmos. As diferenças são mais relevantes do ponto de vista de aspectos pontuais – como a prevenção de abrasões ou a adequação de tração – do que de mudanças drásticas na mecânica dos movimentos”, afirmou.
Gramado sintético: uma vantagem financeira?
Sergio Schildt destacou as vantagens econômicas e operacionais dos gramados sintéticos em comparação aos naturais. Segundo ele, a manutenção de um campo de grama natural é dez vezes mais cara.
“A manutenção de um gramado natural é 10 vezes mais cara do que um gramado sintético. Enquanto no sintético é necessário um funcionário com uma máquina de descompactação feita a cada 15 dias ou depois de shows, no natural são necessários, em média, cinco funcionários permanentes para tratar a grama”, disse Schildt.

Além disso, o consumo de água é significativamente menor, já que no sintético a irrigação ocorre apenas antes das partidas, enquanto no natural, sem chuva, são necessários cerca de 40 mil litros por operação. Outro fator apontado é a reposição de enchimento, que no sintético acontece a cada três meses e envolve apenas a quantidade mínima perdida, como resíduos nos uniformes dos jogadores.
“O uso de água é muito menor no sintético. O clube só utiliza água quando for jogar, enquanto no gramado natural, quando não há chuva, é preciso molhar a grama todos os dias e gastam-se 40 mil litros de água, em média, por operação. No sintético, a reposição de enchimento é a cada três meses e só repõe o que é perdido, algo quase ínfimo, por exemplo, o que é perdido em uniforme de atletas”, completou Schildt.
Por fim, o especialista em gramados sintéticos ressaltou a evolução da grama artificial e seu impacto positivo na realização de competições. De acordo com ele, a sexta geração do material, feita de monofilamento, proporciona maior durabilidade e resistência, permitindo jogos em diferentes horários, sem comprometer a qualidade do campo.
“A sexta geração da grama sintética, de monofilamento, traz maior durabilidade e tem muito mais resistência. São os materiais usados na Europa e na Ásia. Pode-se jogar de manhã, de tarde e de noite. No mês passado, tivemos um exemplo na Copa São Paulo de Futebol Júnior. Por causa do transbordamento do rio Tietê, uma das sedes que receberiam a competição demorou a recuperar o gramado natural. Santana do Parnaíba, que foi um campo que fizemos aqui em São Paulo, recebeu duas chaves da Copinha e tivemos alguns jogos sequenciais de dois grupos diferentes com a Federação Paulista de Futebol conseguindo dar andamento para o campeonato. Não seria possível fazer isso, por exemplo, no gramado natural e manter a mesma qualidade de jogo para todos”, completa Schildt.
Por outro lado, o ex-jogador Tcheco afirmou que, embora se diga que a grama natural não é viável no Brasil devido ao alto custo de manutenção, esse argumento não seria um obstáculo, considerando o cenário do país tropical. Para ele, os custos com jogos, patrocinadores e outras demandas são igualmente altos, e o Brasil, com seu clima quente, teria total capacidade de manter um gramado natural. Ele observou que a grama sintética é mais comum em países de clima frio, o que a torna uma solução menos adequada para o Brasil.
“Outro ponto a ser levado em consideração é que estamos em um país tropical. Dizem que deixam de utilizar a grama natural porque o custo para manter é muito alto, mas os jogos também são caros, os patrocinadores também são caros, tudo é caro. Teríamos totais condições de manter um gramado natural no Brasil, principalmente por ser um país de clima tropical. A grama sintética é normalmente utilizada em países frios, o que não é o nosso caso”, finaliza.