Richarlyson é nome certo no imaginário de quem acompanhou o futebol brasileiro nas últimas duas décadas. Tricampeão brasileiro e campeão mundial com o São Paulo e vencedor da Libertadores com o Atlético-MG , o filho do ex-atacante Lela vive a primeira experiência no futebol do Rio. E escolheu as cores tradicionais do America.
No sábado, marcou o primeiro gol com a camisa alvirrubra, no empate com o Nova Iguaçu por 1 a 1, na seletiva do Carioca. Em entrevista ao GLOBO, Richarlyson fala da carreira e revela que não tem planos de parar tão cedo.
Como está sendo a primeira experiência no Rio?
É tudo novo. Não tinha conhecimento nenhum do Campeonato Carioca. Mesmo que no momento seja uma seletiva, eu costumo dizer que já faz parte da experiência. O calor é algo absurdamente impossível de se acostumar. É desumano. Falo com alguns atletas e é impossível fazermos partidas às 15h. O futebol perde muito. Há um desgaste maior e desnecessário, várias coisas que poderiam ser minimizadas. Eu perco de três a quatro quilos por jogo, perco muito líquido. Com 15 minutos do segundo tempo (no primeiro jogo) tive uma câimbra absurda.
Como chegou o convite do America?
Quando falaram do America, só falei ‘vou’. Comuniquei ao meu pai, meu irmão (Alecsandro) e fechei. Quero colocar o America no lugar que ele não deveria ter saído. Quem me convidou foi o treinador, Álvaro Gaia. Disse que estava me acompanhando e queria me trazer para esse projeto. Fiquei eufórico. A única oportunidade que tive (de ir para o Rio) foi em 2010, quando o Muricy Ramalho tentou me levar para o Fluminense, mas decidi ir para o Atlético-MG.
Por que não foi para o Flu?
Meu contrato ia acabar com o São Paulo e tinha trabalhado três anos e meio com o Muricy. Ele me convidou, mas já tinha recebido proposta do Atlético-MG e tinha mais amigos lá do que no Fluminense. A própria estrutura na época era melhor, o próprio Muricy disse que não era como a do São Paulo. Isso me deixou meio temeroso. Ele foi muito sincero comigo sobre as estruturas (do Flu).
Alecsandro te aconselhou a ir para o America?
Ele disse que era um campeonato gostoso de participar. Que ia sentir dificuldade porque era confuso de entender (o regulamento). Que os torcedores são bem calorosos, apaixonados. Infelizmente, não estamos podendo ter eles próximos. Sentimos muito o calor pelas redes sociais, mas o America é tão grande que, mesmo se ele não falasse, eu viria.
Como é a vida acadêmica? (Ele está no terceiro período de Educação Física, em Bauru)
Faço faculdade presencial, mas na pandemia as aulas são on-line. Tivemos miniférias e, por isso, ainda estamos terminando o semestre. Quando voltar a ser presencial, vou ter que trancar e fazer no próximo período.
Por que Educação Física?
Você viu?
O crossfit entrou na minha vida e existe uma categoria master (acima de 35 anos). Já participei em algumas, mas também gosto de trabalhar essa parte educativa. Abrir algo relacionado a musculação, boxe. A princípio, deixo as coisas me levarem. Penso no futebol ainda e na faculdade. Não penso em parar no momento. O futebol me dá coisas boas.
O quanto a vida acadêmica é importante para você?
Sempre gostei de buscar conhecimento. Mesmo em 2009, ainda muito novo, já estava pensando em faculdade. Gosto de entender o que meu corpo está falando. Claro, não tenho o mínimo de inteligência esportiva sobre mecânica, biomecânica, que estão começando a entrar no meu conhecimento e são importantes no final da minha carreira. Imagina o quanto eu poderia ter minimizado minhas lesões? Quando você está em alto nível, é muito desgastante conciliar. Eu tentei, não deu. Agora, como estou conseguindo, tem sido de muita valia para mim.
Você também participou de reality show...
As pessoas falam que eu tenho uma personalidade muito forte. Comunico bem e faço o que gosto. Eu desmitifico a imagem do jogador de futebol, que fica só no futebol. As pessoas acham que conhecem o Richarlyson e fazem julgamentos, pré-julgamentos e esse meu comportamento chama atenção. Foram experiências incríveis, principalmente de dançar (no ‘Dancing Brasil’, da Record). Trabalhar com a Xuxa, uma pessoa que eu sempre amei. Depois, o ‘Made in Japão’ (competição de celebridades inspirada em programas japoneses), trabalhar com a Sabrina (Sato), que começou em um reality show (participou do ‘BBB’). Desfrutar do momento para ter história para contar.
Tem algum hobby?
Tenho lido muito livro de Educação Física. Atlas, Sinésio. Entro muito de cabeça. Na faculdade não tem sido diferente. Tem tudo a ver com aquilo que eu tenho feito. Saber a biomecânica do movimento ajuda muito. Música, sou muito eclético. Gosto muito de pagode e funk. Sou da moda dos jogadores de futebol. Na minha playlist não pode faltar. Mas também escuto música latina, gospel, vai depender do momento.
Qual a sua relação com o São Paulo atualmente?
Diretorias sempre vão passar, mas costumo dizer que, com os verdadeiros torcedores são-paulinos, é de carinho absurdo. Sempre que pinta uma oportunidade, me falam para voltar, falam que eu jogaria nesse time do São Paulo. Não vou me preocupar com questões políticas. Tinha, sim, rusgas com essa diretoria, eles me tiraram em 2010. Na época foi o Leco com o João Paulo Jesus e outros diretores que não queriam que eu renovasse. O saudoso Juvenal Juvêncio queria, mas disse que não poderia passar por cima disso. Mas não estou preocupado. Minha história está lá dentro e não vão poder tirar. Eu não sei porque não estou na calçada da fama (do clube), se for por idolatria ou pelo que fazem pelo clube, eu deveria estar lá. Poucas pessoas têm três brasileiros e um Mundial pelo São Paulo. Tive cinco anos vitoriosos.
E com o vôlei?
Eu sempre joguei vôlei, fui para o futebol pela amizade e pela minha altura. Mas houve uma distorção de notícias. Em 2014, quando falei que ia parar de jogar futebol, eu não falei que iria para o vôlei. Fiquei chateado, não dei entrevistas. Quando fui para o Noroeste, outra notícia: não participei de nenhuma comissão de vôlei. Fui chamado para ser sparring de ataque do vôlei feminino do Bauru. Como tinha essa capacidade de fazer o treino no Noroeste e conciliar com o Bauru, eu participei. Aí, inventaram que virei auxiliar de vôlei, o que nunca existiu.
O que o Richarlyson deixa para o futebol?
Não sou ninguém. Busquei meu espaço sem pisar em ninguém e sabendo das minhas limitações. São os sonhos que me movem para buscar o ideal. Chegar na seleção brasileira é o ápice. Vocês sabem o que eu enfrentei fora de campo, até um ponto que me enojava. Era mais saboroso para as pessoas falarem sobre questões pessoais do que questões dentro do futebol. Eu acho que o meu exemplo foi de alguém que é batalhador, que não desistiu. Que orgulho eu fui para a minha família. Eles podem contar para os amigos onde seu filho chegou. Isso me move.