Do apito final da partida entre Portuguesa e Botafogo, pela 5ª rodada da Taça Rio, até o ponto batido em um hospital em Maricá, foram apenas 12 horas de diferença. A vida do árbitro Rafael Martins de Sá sempre se dividiu entre a enfermagem e os apitos, mas ganhou uma rotina ainda mais árdua com o avanço do novo coronavírus. Ele é um dos vários heróis silenciosos que estão na linha de frente do combate à Covid-19 e se tornou um elo importante no debate sobre o retorno do futebol em meio à pandemia .
Aos 35 anos, Rafael faz parte da Comissão de Arbitragem de Futebol do Estado do Rio e está sendo convocado para alguns jogos do Campeonato Carioca. Por outro lado, também é enfermeiro e exerce esta função há 13 anos. Entre apitos e jalecos, vê a "cansativa rotina" se dividir entre escalas do Estadual e dos plantões no Hospital Municipal Conde Modesto Leal, na Região dos Lagos.
— É uma rotina que já foi mais dificil. Logo no início da minha carreria como árbitro, estava fazendo mais plantões. Trabalhava em dois lugares e também fazia jogos. Era cansativo e foi se tornando mais difícil conciliar. Hoje eu consegui uma carga horária boa para mim, que dá para conciliar a enfermagem com a arbitragem. Exige muita carga física e emocional — conta.
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Devido à pandemia, as escalas de Rafael sofreram algumas alterações. Anteriormente, ele atuava na área de emergência do Hospital, auxiliando na entrada de pacientes que sofreram acidentes — principalmente os de trânsito. Com o aumento no número de casos da Covid-19, sua função mudou e agora está na clínica médica, que trata de casos de pneumonia, diabetes, infecção, feridas, entre outros...
O vínculo com a área da saúde tornou Rafael uma voz importante no debate sobre o retorno do Campeonato Carioca e a implementação do protocolo 'Jogo Seguro', elaborado pela Ferj ao lado dos clubes do Rio. Questionado, o árbitro lembra que "não existe protocolo 100% eficaz", mas garante ter se sentido seguro quando voltou a apitar após a paralisação.
— Ter voltado ou não neste momento, deixo a cargo das autoridades competentes. São elas que estudam essa parte. Eles que montaram protocolos para esse retorno. O que posso dizer é que me senti seguro na partida entre Portuguesa x Botafogo. Dificilmente vamos encontrar algo 100% eficaz. Nem no hospital é 100% eficaz. Mas posso dizer pelo que eu senti. Nós realizamos testes, tivemos torneira de alcool-gel, acionamento por pedal, máscaras... — confirma Rafael.
Em meio à guerra contra um "inimigo invisível", como ele se refere à Covid-19, Rafael perdeu pessoas importantes nas duas áreas em que atua. Na arbitragem, viu um amigo que apitava na Liga Niteroiense, competição de futebol amador, falecer por complicações da doença. A mesna situação atingiu outra amiga, que trabalhava como profissional da área de enfermagem.
— Não se compara um erro meu em um hospital, que vale uma vida, com o futebol. Mas você pode ter certeza que o comprometimento e a tensão é a mesma. No hospital eu trabalho com uma equipe multidisciplinar. Quando você está fazendo a ressuscitação do paciente, você conta com uma equipe. No futebol também. Trabalho com um quarto arbitro e dois assistentes, eu dependo deles e eles de mim. Sem comparar vidas com futebol, um depende do outro — completa.
Rafael não é o único a atuar também na área da saúde. Em Minas Gerias, outro árbitro fez o mesmo. O mineiro Igor Junio Benevenutto decidiu ajudar na luta contra o coronavírus. Em meio à paralisação, o árbitro passou a dar plantão na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da cidade de Sete Lagoas (MG). Benevenutto concluiu a faculdade de enfermagem em 2012.