A "Globo" reprisa na tarde de domingo um título inesquecível para os torcedores do São Paulo. Campeões mundiais, Rogério Ceni, Lugano, Mineiro e Chulapa estavam naquela final. Quem também estava no banco de reservas era Flávio Donizete, que fez parte do elenco vitorioso em 2005. Ao 21 anos, ele viveu um sonho, mas precisou superar o vício em cocaína nos anos seguintes. Flávio contou que precisou vender sua medalha do mundial para manter-se no mundo das drogas.
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- Eu usava igual louco. Aí quando eu vendi (a medalha), chegou o dinheiro e torrei quase tudo na cocaína. Na primeira pancada foi mil reais de cocaína. E eu usei em dois dias. Deu ataque, coisa no coração... O vício falava mais alto, mais forte. Quanto mais dinheiro eu tinha, mais queria - disse ele, em entrevista ao Globoesporte.com".
Atualmente com 36 anos, o ex-zagueiro vive em Americana, interior de São Paulo, e afirmou estar "limpo". Ele trabalha como jardineiro e recebendo ajuda dos ex-companheiros Mineiro e Hernane. Flávio conseguiu recuperar a medalha com a ajuda de Cafu.
Para ele, o futuro de seguir no futebol é um sonho. Após vencer o mundial e sofrer com os vícios, ele se orgulha de ter conquistado mais um título: conseguir se manter limpo das drogas depois de escutar o pedido de sua filha Flávia.
Saiba o que mais o campeão em 2005 falou em entrevista:
Você foi para o Mundial e conquistou o título. Como foi isso?
- Na verdade eu não iria para o Mundial. Não estava inscrito. Fizemos um último treino para o pessoal poder viajar ao Japão, e eu seria emprestado. Mas, no último dia, o Alex Bruno machucou o tornozelo. Eu já estava indo embora, saindo na portaria do CT, e o pessoal pediu para voltar: "Pediram para você voltar porque o Autuori quer falar com você”. Para mim, ele ia falar que eu ia ser emprestado, eu já sabia. Nessa que eu voltei, ele falou: "Flávio, pega uma mala lá, porque você vai viajar com a gente. Você não vai ser inscrito, mas vai viajar com a gente - prosseguiu.
- Fiquei muito feliz, peguei a mala, fui para casa e no dia seguinte fui viajar. Tinha a classe executiva, a classe A e a única passagem que tinha era a classe executiva. Eu fui de classe executiva! Era um avião de dois andares, negócio fora do normal. E eu fui. Cheguei lá sem estar inscrito, comecei a treinar com o pessoal no Japão e o Alex Bruno se recuperou. Mas para mim só de estar ali já estava bom. Eu estava treinando normal e na véspera da nossa estreia o Leandro Bonfim abriu a virilha e como só tinha um a mais, que era eu, fui inscrito. O Leandro Bonfim ficou assistindo ao jogo da arquibancada, e eu fiquei no lugar dele e pude participar do banco de reservas.
Como foi para você conquistar um Mundial tão novo?
- Eu nunca tinha viajado para um lugar tão longe como o Japão. Eu cheguei lá em outro nível, outro mundo. O hotel era extraordinário, nunca tinha entrado em um hotel daquele lá, muita coisa. Cheguei lá e tinham algumas pessoas que já me conheciam, me trataram bem também. Uma coisa fora do normal. Eu fiquei no quarto com o Bosco. Ele me ensinou muito naquele momento. Até então eu estava um pouco desviado... Depois da conquista, voltei ao Brasil e aquela passeata, um monte de gente esperando a gente, aquilo é uma coisa que eu vou levar para o resto da vida.
Quando esse vício pela cocaína começou?
- Em 2010 comecei a usar - disse ele.
O que mudou na sua vida a partir desse momento?
- Depois que conheci a cocaína, eu perdi demais. Porque até então eu usava ela moderadamente. Até que ela ficou mais forte na minha vida, comecei a perder tudo o que eu tinha. O dinheiro guardado usei para comprar droga todo dia. Eu não ficava sem droga por nada. Manhã, tarde e noite tinha que usar cocaína. E nessa o dinheiro que tinha na conta, as coisas que tinha, comecei a perder.
Perdi tudo, tudo, tudo - afirmou, que lembrou carinho da companheira.
- Só não perdi a minha esposa, minhas filhas e minha família, que está comigo até hoje. Em termos de amigo e pessoas que eu ajudei, ninguém mais conversava comigo, ninguém me ajudava mais, porque não confiavam mais, porque sabiam que se me ajudassem a primeira coisa que eu ia fazer era parar em uma biqueira (ponto para comprar drogas).
Por que você expõe o vício? Acha que pode ajudar as pessoas que passam por isso?
- Eu falo porque sei que vou ajudar de alguma forma. Não adianta colocar uma máscara e falar que é isso ou aquilo. Eu poderia estar mentindo para você agora e falar: “Não uso”. Mas hoje eu falo de coração porque eu estou limpo, estou bem e com essas palavras, se alguém puder ler, puder ouvir, eu vou estar ajudando. É difícil? Claro que é difícil, mas Deus não falou que seria fácil - comentou Flávio, que ainda valorizou o momento atual.
- Mas hoje vale muito a pena eu chegar em casa de cabeça erguida e olhar para as minhas filhas... Minhas filhas hoje fazem uma coisa que não faziam antes. Hoje elas olham para mim e dizem: “Pai, a gente é simples, a gente não tem muita coisa...”, e hoje a Flávia, a mais velha (12 anos), fala, todo dia quando vai dormir: “Pai, eu tenho orgulho de você”. Isso já é uma coisa que eu ganho o dia, ganho a semana.
Qual o seu maior arrependimento?
- Ter experimentado a cocaína. Ela acabou comigo. Era para hoje eu estar bem demais. A gente fala assim: "Era para acontecer". Tá, aconteceu, mas esse arrependimento eu acho que vou levar para a vida inteira. A primeira vez que usei a cocaína, se eu pudesse voltar atrás eu não teria feito, porque ela trouxe consequências graves para a minha vida.
Você ainda tem sonhos?
- Eu quero voltar a jogar, nem que seja a A3, a A2, eu quero jogar ainda um ano, dois anos, só para mim... Deus fez uma promessa na minha vida e eu quero que ela se cumpra. Eu falei que só ia parar quando Ele falasse: "Não, você não vai jogar mais". Como Deus tem falado comigo que dá para jogar mais dois anos, um ano que seja, seja a A2, A3, eu ainda quero jogar. Depois não sei o que vou fazer.