Mesmo com a pandemia do Covid-19 ainda avançando e, aparentemente longe do chamado “pico” de novos casos da doença, quando o número de pessoas infectadas se torna igual ao número de pessoas curadas (característica que sinaliza o fim do avanço da doença), um tema recorrente no âmbito esportivo é sobre a possibilidade de um retorno das competições nacionais, mesmo que isso ocorra sem a presença de torcedores nos estádios.
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O médico e atual diretor adjunto de futebol do Corinthians , Dr. Jorge Kalil, se diz contrário, nesse momento, a qualquer tentativa de retomada. Para o dirigente, apontado como um dos mais competentes cirurgiões vasculares do país, enquanto a curva de contaminados e mortalidade estiver subindo tem que se ter o máximo de cautela. “Não podemos jamais menosprezar o risco. Tenho visto países, como a Itália, que querem reiniciar o futebol. Primeiro que não podemos nunca fazer algo porque os outros estão fazendo. Cada país tem que respeitar as suas peculiaridades. Mas, entendo que enquanto a curva estiver ascendente é impossível a volta do futebol”, afirma ele, em entrevista exclusiva ao iG.
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De acordo com Kalil, que também já foi vice-presidente do Corinthians, nesse momento é inviável garantir a segurança dos jogadores, das pessoas que trabalham e dos envolvidos com o esporte. “Um dos principais hábitos dos jogadores de futebol é cuspir no campo. Se voltar agora, vamos ter que dar cartão vermelho para quem cuspir, já que a maior transmissão do vírus é justamente pela saliva. Outra coisa. Vamos supor que o jogador testou negativo hoje. Você vai mantê-lo 24 horas trancado? Não. Ele vai para casa, provavelmente deve parar no posto de gasolina ou supermercado, podendo ser contaminado e ser assintomático. Não vejo condições mínimas de uma volta agora”, opina ele, que tem conversado periodicamente com alguns jogadores e membros da comissão técnica do clube para saber como estão e se vêm seguindo as medidas de proteção.
Por falar em prevenção, Kalil defende a quarentena, “especialmente e indiscutivelmente”, entre as pessoas no grupo de risco. Em contrapartida, àqueles cujo os riscos são menores, se pode, “gradativamente, de uma forma organizada e, principalmente, com todos os cuidados de prevenção”, flexibilizar o isolamento. “O que não pode é estar em aglomerações. Isso é irracional e imprudente. Não podemos ver, por exemplo, passeatas na Avenida Paulista. Isso não tem sentido. Isso é menosprezar a pandemia”, diz.
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Além da quarentena, uma das soluções emergenciais encontradas pelo Estado de São Paulo para lidar com a doença e oferecer tratamento aos infectados foi a construção de hospitais de campanha. A medida que, para os defensores, busca evitar um colapso na rede, é apontada por contrários como um improviso na tentativa de remediar um sistema de saúde precário. Kalil é um dos que considera um erro a medida adotada.
“Vejo um equívoco enorme. Foi gasto ali, nos casos do Pacaembu e do Anhembi, um dinheiro que até agora ninguém sabe o quanto. Foram criados inúmeros leitos de maneira improvisada, com colchões novos, macas e uma estrutura. Enquanto isso, vemos hospitais que poderiam estar bem equipados para atender todas as doenças, como o Hospital do Tatuapé, que é um dos maiores da rede pública municipal, que está com pacientes nos corredores. Por que então não equipar adequadamente os hospitais já existentes, ao invés de gastar uma fortuna nesses locais improvisados?”, questiona.
Segundo os últimos dados da Secretaria Municipal de Saúde do Estado de São Paulo, os dois hospitais de campanha contavam nessa semana com 266 pessoas internadas por coronavírus. No do Estádio do Pacaembu, a ocupação de leitos chegava a 50%. Dos 200 leitos existentes no local, 94 estavam ocupados, sendo que três pacientes estavam internados na sala de estabilização (equipada para atender pacientes em estado mais grave). Já no hospital do Anhembi, haviam 172 pacientes, sendo oito deles na sala de estabilização. Ao todo, três mortes já foram confirmadas nesses locais.
Para Kalil, os hospitais e postos existentes no Estado, se bem equipados, poderiam suprir a demanda da pandemia. “Não tenho dúvida que poderíamos ter nesses hospitais e postos já existentes estruturas montadas para receber adequadamente não só os pacientes de Covid-19, mas, de outras doenças, já que não estamos só vivendo o coronavírus. As pessoas continuam tendo outras doenças, como infarto, câncer, derrame, cálculo renal, trombose, entre outras. Qual hospital hoje em São Paulo, tirando o AC Camargo, que é de excelência, oferece um tratamento de quimioterapia, por exemplo? O câncer, não espera. Não adianta mandar o paciente voltar daqui dois meses. Ele vai morrer antes. Nosso problema não é só o coronavírus. As doenças comuns continuam fazendo parte da população”, comenta.
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Ainda na opinião do médico, os hospitais da capital não estão equipados adequadamente nem mesmo para tratar as enfermidades mais simples. “Nos falta tomógrafo, aparelho de ressonância, ultrassom, além de anestésicos e medicamentos básicos. A estrutura oferecida ao paciente e o trabalhador da área da saúde é precária. Tenho 40 anos de medicina e 25 anos rede pública. O que vejo hoje é algo muito triste. E não estou criticando A, B ou C. Culpo todas as esferas. Nós médicos lidamos com vidas humanas. Os políticos, não. Por isso, minha indignação diante da irresponsabilidade, zombamento, pouco caso e a falta de respeito com a população”, conclui.