O único dirigente brasileiro preso no escândalo do futebol, José Maria Marin, já não fala da modalidade, não tem contato com cartolas e nem mesmo acompanha os resultados de seu time, o São Paulo. Em prisão domiciliar em seu apartamento de luxo em Nova York, Marin aguarda seu julgamento e uma próxima audiência no início de agosto. E, enquanto isso, começa a ganhar uma liberdade cada vez maior.
Em um ano, o brasileiro foi obrigado a buscar mais de R$ 60 milhões em garantias de crédito para sua fiança, para pagar por sua segurança e por um pequeno batalhão de advogados na Suíça, EUA e Brasil.
Com 84 anos, Marin foi autorizado a permanecer em seu apartamento. Pouco a pouco, sua rotina ganhou ares de liberdade. Se nos primeiros meses era obrigado a manter um segurança na porta de seu apartamento 24h por dia e usar uma tornozeleira, hoje Marin já não precisa ser vigiado da mesma forma.
Às segundas, quartas e sextas, ele desce até a academia de seu prédio para fazer exercícios e esteira, sem qualquer segurança. Às terças, ele pode ir ao supermercado. Toda quinta-feira, ele tem o direito de sair, entre as 13h e as 17h, em uma “programação livre”. Marin caminha pelos parques, vai a lojas de CDs e livrarias, sempre acompanhado por um segurança. Aos domingos, é a vez da Igreja com sua esposa, Neusa.
Marin ainda sai para ir ao escritório de seus advogados e, se necessário, ao médico. Mas, depois de realizar exames, foi constatado que ele está bem de saúde.
Ele recebe todos os dias o jornal New York Times, ao qual dedica boa parte de sua manhã em leituras. Na semana passada, mostrou a seu advogado uma notícia que encontrou: a da extradição de Julio Rocha, seu ex-companheiro na Fifa e também preso no mesmo dia em que foi detido em Zurique.
O que, sim, preocupa Marin é a crise política no Brasil. Mostrando-se alarmado, ele acompanha o caso pela imprensa internacional e perguntando a seus interlocutores. O cartola foi sempre contrário à presidente afastada Dilma Rousseff e nunca escondeu das pessoas mais próximas a falta de simpatia com o governo.
Apesar da liberdade cada vez maior, a rotina se contrasta com a agenda de um ex-governador e ex-chefe da CBF, repleta de encontros, viagens e bajulação. Hoje, ele não recebe visitas e nem telefonemas de dirigentes brasileiros de clubes, algo que era diário em sua vida antes de 27 de maio de 2015. Da CBF, Marco Polo del Nero e Ricardo Teixeira, os contatos são proibidos.
Defesa
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Sua defesa, porém, garante que não existe qualquer plano de um acordo de delação premiada. O argumento dos advogados é de que as provas que existem contra Marin são frágeis e que poderiam não ser suficientes para convencer o juiz a condená-lo.
O Departamento de Justiça dos EUA tem até o final de junho para apresentar para a corte as provas contra o brasileiro e uma audiência está marcada para agosto. A esperança dos advogados é de que ele ainda seja inocentado.
Com ou sem uma condenação, pessoas próximas a ele constatam que ele não fala mais de futebol, nem sobre a seleção brasileira e nem sobre o São Paulo. Há poucas semanas, um de seus quatro advogados comentou o fato de que a escolha do dirigente de trazer Dunga depois da Copa de 2014 de volta ao comando da seleção havia sido um “desastre”. Ele apenas riu.
Só a CBF mantém presidente indiciado no cargo
Um ano depois da operação da polícia da Suíça, em cooperação com o FBI, que levou à prisão alguns dos principais dirigentes do futebol mundial, entre eles o então presidente da CBF, José Maria Marin, 41 cartolas foram indiciados e mais de uma dezena de federações viram os seus presidentes serem presos por corrupção.
Intocáveis como Joseph Blatter, Jérôme Valcke, Franz Beckenbauer e Michel Platini foram suspensos do futebol ou renunciaram. Mas uma entidade resistiu bem ao terremoto: a Confederação Brasileira de Futebol. Blindado pela falta de cooperação judicial entre Brasil e Estados Unidos, o presidente da CBF, Marco Polo del Nero, foi o único a se manter no poder, mesmo indiciado em território norte-americano.
Del Nero, Marin e o ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira são acusados de receber milhões de dólares em propinas relacionadas com a Copa do Brasil, Copa Libertadores, Copa América e com o contrato com a Nike. Uma CPI foi aberta no Senado e o Ministério Público Federal começou a investigar.
Os suspeitos conseguiram uma decisão da Justiça no Rio, que tornou ilegal o envio de dados para a Justiça dos Estados Unidos. A Procuradoria Geral da República deu parecer favorável ao restabelecimento da troca de dados com os Estados Unidos. Mas enquanto a decisão não for julgada, a cooperação está parada.
Até agora, apenas o elo mais fraco deste esquema foi detido: Marin. Del Nero, depois de modificar o estatuto da CBF, continua a mandar no futebol brasileiro. Teixeira, apontado como um dos artífices do esquema de corrupção em denúncias de outros cartolas presos, também continua solto.
Mesmo na Fifa onde é investigado pelo Comitê de Ética, Del Nero considera que está “fora de perigo”. No início de maio, o auditor chefe da entidade, Domenico Scala, renunciou após uma reformulação de suas atribuições. Scala queria uma “punição exemplar” para Del Nero.
Na América do Sul, renunciaram os presidentes das federações da Colômbia, Venezuela, Peru, Chile e Bolívia. Na América Central, caíram dirigentes das federações de vários países. Argentinos, uruguaios e paraguaios também sofreram com as investigações.
No total, 15 dirigentes admitiram culpa nas irregularidades, entre eles o ex-presidente da Concacaf, Jeff Webb. Um ano depois do escândalo que abalou a sua estrutura, a direção do futebol mundial mudou. Menos no Brasil.