"E você não vai falar nada não, sobre o caso do Daniel Alves?" Foi essa a pergunta que minha esposa me fez quando estávamos vendo TV e passou a cena de Daniel Alves saindo da prisão rumo a casa dele após ser setenciado pelo crime de estupro.

Casos de Robinho e Daniel Alves não podem ser deixados de lado
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Casos de Robinho e Daniel Alves não podem ser deixados de lado



Eu confesso que a minha primeira resposta foi: "ué, mas eu falei. Um absurdo! O cara tá livre depois de tudo isso. Inadmissível".

Minha esposa: "não, no blog".

E só foi aí que fui refletir realmente no que está acontecendo. E precisei estudar mais a fundo para sacar que não falar nada, ou melhor, não utilizar um espaço privilegiado como esse aqui é, basicamente, "dar voz ao silêncio" da impunidade. E contribuir para uma continuidade criminosa e assustadoramente antiesportiva. Uma experiência totalmente contrária daquilo que imagino de ideal para o esporte.

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Minha esposa, a psi Natalia Marques (aliás, sigam ela no Instagram @psinataliamarques), com quem aprendo muito sobre psicanálise e feminismo, me recomendou esses dias um episódio do podcast da Lelia Brandão entitulado "O mundo é dos homens". Ouvi atentamente o que era exposto e descobri que os celulares, bancos de carros, temperatura ideal de ar-condicionado e até mesmo aquelas "8 horas de sono ideais" foram todas pensadas e arquitetada exclusivamente sob a ótica dos homens para homens.

E isso faz todo sentido quando observamos a ação "natural" de nós homens a não nos chocar nesses casos em que os homens do esporte cometem algum tipo de violência contra mulheres. Porque é justamente aqui, neste ponto, que nós, homens, nos igualamos: o machismo. Isso aprendi ouvindo (na entrevista ao podcast Mano a Mano) a linguista e escritora Conceição Evaristo. Por que até então pela estruturação racista social, o homem-branco-hétero-rico é a representatividade do status máximo de privilégio neste mundo.

E eu com isso?

Eu sou homem, negro, atleta, jornalista e portanto, participante da indústria esportiva e sei que durante esses 30 anos da minha vida quase nunca presenciei um bate-papo entre os homens (sem ser provocado por uma mulher) sobre como a masculinidade tóxica interfere no ambiente esportivo. A ficha cai sobre tudo isso quando, enfim, entendemos que os homens possuem um pacto silencioso.

A morte (caso do Goleiro Bruno), o estupro (caso Robinho e caso Daniel Alves), espancamentos (inúmeros casos) representam o hediondo entre as violências. Mas não é só aí que mora a violência. Tem a violência patrimonial ( vide caso Leandrinho do Basquete em que sua ex-esposa o acusa ), tem a violência emocional com gaslighting (mentir e mudar uma situação de forma que a mulher tenha sua lisura/sanidade questionada), ghosting (quando a mulher passa a ser ignorada sua existência), negging (o tipo de violência que vem nas entrelinhas, nas brincadeirinhas, que é uma desqualificação da mulher disfarçada em um elogio/sedução. Ex: "você é linda demais, poderia ser modelo se fosse um pouco mais magra") entre outras formas de violência que, obviamente, não somente pessoas ligadas ao mundo esportivo cometem.

As mulheres são bem-vindas, desde que se retirem logo

Lembro do caso da Milly Lacombe, jornalista com anos e anos de carreira que conquistou um baita espaço na mídia. Comecei a acompanhar no início dos anos 2000. Era uma das poucas mulheres em meio ao business midiático-esportivo. Ela errou. Isso é fato. Mas não teve mais o mesmo espaço para retornar e até hoje é rechaçada.

E o que dizer de todos as críticas sobre a Marta, provavelmente, a melhor jogadora de futebol de todos os tempos. Maior artilheira da Seleção Brasileira de Futebol (122 gols), fez mais que qualquer homem. Porém, como não ganhou Olimpíadas ou Copa do Mundo, ela teve ouvir e lidar com o fato de minimizarem constantemente o futebol feminino e, consequentemente, sua carreira inteira , dentro e fora de campo, além de seu ativismo a favor de uma revolução na estrutura do futebol machista.

E aí, cheguei a uma conclusão: eu não estou me fazendo as perguntas certas

Se você, como eu, sente algum incômodo de ter algum jogador criminoso impune no seu time (ou que já foi algum momento), saiba que esse é um bom sinal. Aproveito para recomendar que as mudanças e ações surgem a partir da indentificação de problemas. E esse, por sua vez, vem por meio de perguntas. 

Então lhe convido, para o exercício de refletir sobre alguns pontos. Dos mais abrangentes, até os mais complexos. Deixo sete perguntas, sendo a última a mais importante.

1 - Por que um homem passa impune e sai de cabeça erguida diante dos seus crimes, como o Daniel Alves ?

2 - Por que, em uma situação de enfurecimento dentro do esporte (ou fora dele) o primeiro xingamento é uma ofensa à mãe e/ou alguma referência ao feminino, mesmo sendo um homem ou não do outro lado?

3 - Por que, mesmo com tudo o que aconteceu no caso do goleiro Bruno, torcedores ainda nutrem uma idolatria por ele ?

4 - Já parou para pensar que, diante de uma paternidade, o jogador de futebol não para de jogar, e uma jogadora de futebol que dá à luz tem que ficar afastada?

5 - Por que, mesmo bem remunerado, jogadores como Éder Militão abrem processo na Justiça para fixar uma pensão alimentícia em um valor muito baixo comparado aos seus rendimentos ?

6 - Por que os homens se pronunciam com mais facilidade sobre racismo (que tem que ser muito debatido mesmo) e quase nunca falam sobre machismo?

7 - Por que nunca nos fazemos perguntas como essas anteriores?

Das sutis, até as hediodas, as violências são praticadas diariamente no esporte e no nosso mundo masculino. Porém, ela ganha força no silêncio. Por isso escrevi esse texto, para que essa voz interior ecoe e seja sonorizada, para em algum momento termos rodas de homens debatendo e recriminando o machismo que acaba também prejudicando os homens. Que das categorias de base até os profissionais o silêncio dê espaço para atitudes e não notas de repúdio estáticas.

*Gilmar Junior é atleta de flag football 8x8 do Brasil Devilz, jornalista, especialista em gestão e marketing esportivo e está se especializando em gestão da experiência do consumidor

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