Eu confesso que relutei muito para aceitar o automobilismo enquanto esporte. Para mim, o “atleta” era a máquina e não o piloto. Eu nunca fui tão fã de carros, sempre preferi qualquer coisa que envolvesse bola. Porém, meu olhar mudou muito e não faz muito tempo. Só entendi o envolvimento físico dos pilotos quando assisti documentários e vi pela TV a preparação física e o quanto de força uma prova exigia deles.

Formula Dreams é uma série documental de dez episódios que mostra os detalhes da história de um grupo de crianças com idades entre 8 e 12 anos, que crescem em um ambiente de alta velocidade do karting competitivo.
Divulgação / Formula Dreams
Formula Dreams é uma série documental de dez episódios que mostra os detalhes da história de um grupo de crianças com idades entre 8 e 12 anos, que crescem em um ambiente de alta velocidade do karting competitivo.


Duas obras cinematográficas recentes foram muito importantes. Tanto o filme “Grand Turismo” (saiu do cinema, mas dá para assistir no Max ou Amazon Prime) e “Ferrari” (este último ainda está em alguns cinemas). 

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Meu primeiro contato com as corridas foi assistindo A Fórmula Indy e um motivo me chamou a atenção na transmissão do Téo José, no SBT. Havia um piloto chamado Gil de Ferran, e ele era brasileiro. Pô, mesmo começo do meu nome, mesmo país. Era como se fosse eu lá. Eu torcia para ele. Infelizmente, ele faleceu no final do ano passado

E o que falar do maior ídolo brasileiro nesta categoria de pilotos? Eu nasci em 1993 e completei 1 ano de vida exatamente sete dias depois da morte de Ayrton Senna. Não presenciei, mas cresci ouvindo do meu pai e da minha mãe o tanto de vezes que o piloto brasileiro fazia as pessoas felizes, tradicionalmente aos domingos, na tela da Globo e com narração do Galvão Bueno. No dia de hoje, 21 de março, Senna estaria completando 64 anos. 

E uma coisa que me intriga é, como um homem como Senna, mesmo há muito tempo, segue cativando fãs ao redor do mundo. E mais, assim como eu, que me via representado ludicamente na figura do Gil de Ferran, crianças se espelham nos ídolos do automobilismo. Como mencionei, as obras audiovisuais foram fundamentais para me convencer e me aproximar do universo dos motores. 

E por falar em Max... 

E no dia 5 de janeiro, estreou na Max (antiga HBO Max), a série documental Formula Dreams, que conta a história de Antonella, Heitor, Wagner, Gabriel e Murilo, que compartilham um mesmo sonho: ser a próxima estrela brasileira da Fórmula 1. São dez episódios que mostram detalhes da história de um grupo de crianças com idades entre 8 e 12 anos, que crescem em um ambiente de alta velocidade do karting competitivo.  

Formula Dreams é uma série documental de dez episódios que mostra os detalhes da história de um grupo de crianças com idades entre 8 e 12 anos, que crescem em um ambiente de alta velocidade do karting competitivo.
Divulgação / Formula Dreams
Formula Dreams é uma série documental de dez episódios que mostra os detalhes da história de um grupo de crianças com idades entre 8 e 12 anos, que crescem em um ambiente de alta velocidade do karting competitivo.



Para falar sobre como é experienciar esse sonho infantil e ainda ter a missão de retratar de uma forma documental, o Esporte É Experiência conversa com Nick Story, produtor executivo da série Formula Dreams, mora no Brasil há 18 anos. De pai inglês e mãe austríaca, o produtor é de nacionalidade francesa e britânica. Ele é casado com a brasileira Isabel de Almeida Prado e, juntos, produziram a série. 

Leia a entrevista abaixo: 

1 – Tenho impressão que as obras audiovisuais sobre automobilismo estão cada vez mais ganhando relevância. Cito aqui Grand Turismo e Ferrari que recentemente tiveram estreias no cinema. Porém, elas não trazem personagens próximos do brasileiro quanto Fórmula Dreams promete. E o melhor, o documentário é focado em cinco crianças que pilotam kart. Como foi a experiência de gravar com as crianças e, você que participou ativamente de todo o processo, o que significou ver o sonho e o desejo desses jovens pelo automobilismo representado na figura do kart?  

No mundo dos documentários, dizem que as duas coisas mais difíceis de gravar são animais e crianças. Isso porque as crianças são muito espontâneas, vão em todas as direções quando a gente está gravando e nem sempre querem ser gravadas. Ainda por cima as pistas são lugares com muito barulho. Foram dias muito longos, mas muito interessantes. As crianças não eram dirigidas, então tinha momentos de calmaria e de repente acontecia um monte de coisa ao mesmo tempo. Foi uma grande aventura. É muito legal ver como a cada episódio as crianças vão se desenvolvendo, amadurecendo em um ambiente cheio de pressão. Tem pressão porque é um esporte caro, muitas das crianças viajam de longe para competir. Essas famílias colocam tudo o que têm e o que não têm nesse sonho. É todo um ecossistema de famílias e mecânicos que vive na velocidade do kart. 

Nós acompanhamos um ano essas crianças e ao longo da temporada elas vão mudando de desempenho, ganhando segurança, tendo desentendimentos. É realmente interessante ver a resiliência dessas crianças se desafiando todos os dias. Aprendem a ganhar a perder.  

2 – Neste dia 21 de março, Ayrton Senna completaria mais um aniversário se ele estivesse vivo. O status de ídolo que ainda não foi alcançado por outro piloto brasileiro. As crianças já têm essa percepção do ídolo que foi o Senna? Ou elas estão mais focadas na parte lúdica do esporte? 

O Senna vive no imaginário dos pais e das crianças. Ele não está lá fisicamente, mas podemos senti-lo no kartódromo, ele tem uma presença, é um mentor. Sem dúvidas, é um personagem da série. As crianças rezam pelo Ayrton Senna e carregam o sonho do Ayrton Senna de como sair do Brasil e conseguir, com os instrumentos que se tem na mão, fazer o melhor. Eles carregam o caminho da excelência que o Senna trilhava. Ele é exemplo e é uma figura sagrada que está na mitologia brasileira de forma muito forte.

3 – Com gancho na última pergunta, o kartismo é uma porta de entrada no automobilismo, incluindo para adultos. Como foi a experiência em gravar esse esporte de perto e ver a reação e o quão sério os pequenos levam o esporte?

O que achei mais incrível é que as crianças são muito lúcidas em relação a tudo que estão vivendo. Eles levam muito a sério e é um esporte onde acontecem acidentes, é algo que tem que se levar a sério. Quando coloca criança para competir, você vai ter a competição, tem muita gente envolvida, muita coisa acontecendo, é sério e lúdico ao mesmo tempo. Porque ao mesmo tempo tem toda a adrenalina da velocidade, eles se divertem com isso. A gente consegue ver os momentos de tensão e os momentos mais divertidos. São competidores entre si e amigos também. 

Formula Dreams é uma série documental de dez episódios que mostra os detalhes da história de um grupo de crianças com idades entre 8 e 12 anos, que crescem em um ambiente de alta velocidade do karting competitivo.
Divulgação / Formula Dreams
Formula Dreams é uma série documental de dez episódios que mostra os detalhes da história de um grupo de crianças com idades entre 8 e 12 anos, que crescem em um ambiente de alta velocidade do karting competitivo.



4 – Assim como todo esporte, o que se vê no campo, na quadra, na piscina, ou neste caso, na pista, é a ponta final de um processo que provavelmente começou muito antes e que envolve mais pessoas. Quais foram os desafios em retratar no documentário as famílias, as equipes com mecânicos ? Como é ter visto essas pessoas trabalhando juntos em prol das crianças?  

Entrar na pista tem um custo, é uma modalidade cara, tem o gasto dos pneus, do conserto dos carros, as equipes, as viagens. Realmente não é de brincadeira mesmo. Ninguém sabia quem era aquela equipe grande que estava gravando, não tínhamos um canal para exibir, era só a minha palavra que a gente estava planejando fazer a temporada de Formula Dreams. O desafio era como cobrir do melhor jeito esse lugar onde muitas coisas acontecem. Tem muitas crianças, muitas famílias. Não conseguíamos gravar todas as histórias, mesmo com a equipe grande, tinha que escolher o pedaço da história a contar. São muitas pessoas em volta, cada um tem uma opinião de como fazer e o maior desafio é seguir a nossa intuição. Muitas escolhas foram feitas por intuição. Tem momentos de tristeza, de euforia, como se abordar o momento da raiva, do desapontamento? Temos que nos colocar como contadores de história. São famílias, crianças que ainda vão crescer, esse respeito em pensar, olhar, qual é o corte legal, o corte que faz para ser observacional, jornalístico, contar uma história como ela está acontecendo. Não é um reality show, não provocamos situações.

5 – Como produtor, observando o mercado audiovisual, é possível ver o esporte com muita atenção aos bastidores. Times de futebol, escuderias, ou até mesmo os próprios organizadores dos campeonatos, se preocupam em proporcionar aos fãs imagens do antes e depois da atividade esportiva. Você acha que a tendência é cada vez mais as coisas caminharem para isso e acabar em algum momento saturando, ou enxerga que há um novo caminho para alcançar esse entretenimento esportivo? 

Não fui muito de ver esporte, sempre gostei de praticar esportes. Não gostava de ver futebol, gostava de jogar futebol, gostava mesmo desse behind the scenes, desse evento social, fazer amigos, estar se movimentando, ganhar, perder, muita coisa acontecendo. Eu acho a realidade muito mais poderosa do que a ficção. Esse personagem que existe, são pessoas reais, é muito mais extraordinário que qualquer ficção. Como dizia Glauber Rocha, "uma ideia na cabeça e uma câmera na mão". E com a tecnologia as câmeras estão cada vez menores, a tendência é cada vez termos imagens mais incríveis. Acho que isso não vai parar, vai continuar. Todo mundo tem uma história para se escrever, cada pessoa vale pelo menos um documentário. O que não é infinito é o tempo, tenho só uma vida para fazer as histórias que quero contar. A imagem fica cada vez mais fácil, a curadoria de contar a história é o grande desafio, o olhar que você vai colocar. Cada esporte tem muito caminho para se fazer. E também o peso do futebol é tão grande no mundo do esporte, que os outros esportes precisam se esforçar muito para aparecer.  


6 – Uma parte interessante no documentário é que uma das personagens é uma menina. Antonella. Visivelmente é um mercado tomado pela presença masculina, mas temos casos por exemplo das brasileiras Bia Figueiredo e Débora Rodrigues que pilotaram (em categorias diferentes) e competiram em alto nível. Assim como no documentário, a experiência no esporte está englobando cada vez mais a perspectiva feminina? Ou isso ainda é cedo para falar? 

Acho que esse movimento no kartódromo está acontecendo, tem mais mulheres, não é a maioria, mas tem. A Antonella é um grande exemplo, não era a única menina. No kartismo, não faz diferença se é menino ou menina. É um esporte que acolhe as mulheres, com o tempo vai ter cada vez mais mulheres. Do mesmo jeito que hoje a diversidade étnica está bem maior. As pistas estão a cara do Brasil.  

7 – Por fim, qual é a experiência que quem assistir vai ter ao ver os pequenos perseguirem seus sonhos no kart? E como é retratar esse sonho infantil de vencer no esporte e colocar toda essa emoção e subjetividade em um documentário?

Eu convido as pessoas a voltarem a ser crianças. De sentir essa grande aventura que a gente sentia a cada fim de semana de competição. É um documentário para crianças, do ponto de vista das crianças, eu mesmo me enxergo como uma grande criança. Com ele, eu queria voltar para esse momento de crescimento, que é a grande aventura da vida. É um momento de uma grande carga emocional, química, adrenalina, muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo quando se está praticando esporte. Convido as crianças e os pais a pegarem uma pipoca e verem juntos. Espero que gostem. 


*Gilmar Junior é atleta de flag football 8x8 do Brasil Devilz, jornalista, especialista em gestão e marketing esportivo e está se especializando em gestão da experiência do consumidor

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