Eu sou santista. Não porque nasci em na simpática cidade de Santos, mas porque sou torcedor do Santos Futebol Clube com uma certa influência do meu pai. Ingressei na minha fase adulta acompanhando de perto a geração Neymar e Ganso, inclusive, estive no jogo de estreia e no jogo em que Neymar anotou o seu primeiro gol. Foi no Pacaembu, uma tarde/noite agradável. No jogo da estreia tirei foto com o Zito, volante e capitão dos capitães, lenda imortalizada na faixa de capitão atualmente (Por isso o Santos usa a faixa com a letra Z). Lembro até de dar sorte e assistir ao jogo ao lado do Mano Brown, uma baita referência para mim no rap. Porém, o meu ponto ápice, a minha maior alegria enquanto torcedor foi o título do Campeonato Brasileiro de 2002. Sim. A geração do Robinho. Aquele, Robinho? Ou esse, Robinho? O que pode ou não ser preso por estupro? Sim. O próprio. 

Me volto ao segundo plano e me coloco distante das minhas recordações para retratar as minhas experiências enquanto torcedor e apaixonado por futebol. A experiência que aquele dia do título me trouxe me emociona até hoje. A narração radiofônica do locutor Eder Luis (gigantesco!) conseguiu exprimir quase tudo que estava acontecendo. Meu pai me pegou no colo, saímos correndo na rua e gritando para todo mundo que o Santos saía de uma fila de anos. Ainda em cima do Corinthians. Classificando do jeito que classificou, com um bando de moleques etc. Até então, Robinho tinha me proporcionado como torcedor uma alegria indescritível. Sim. O Robinho... 

Robinho não é mais um ídolo do Santos. Pelo menos, para mim, não mais. Reconheço que não vai ser possível apagar o que ele fez e do grande jogador que foi. Eu também não deixei de ser santista e nem de acompanhar futebol. Mas a imagem, ou melhor, a reputação do jogador vai ser sempre vista com o um asterisco. E tem outro ponto muito nítido.  

Sobe a placa de substituição: tem mudança! 

Sai o Gilmar torcedor e entra o Gilmar Junior especialista em gestão e marketing esportivo com um olhar apurado para a experiência do consumidor (vou sempre falar porque gastei muito dinheiro com essas pós-graduações). Fiquei intrigado com relação do admirador do esporte com o objeto esportivo e resolvi dar uma pesquisada sobre o tema. Cheguei a alguns resultados um tanto que curiosos.

Fui logo no “maior” e vi que 51% dos brasileiros não estavam nem aí para Copa do Mundo do Catar, segundo Datafolha. Ah, e o número bem próximo dos 53% do que o próprio Datafolha levantou da Copa da Rússia em 2018. Isso me deixou intrigado e havia várias possibilidades. A mais óbvia: o Brasil não ganha Copa desde 2002; a segunda: não há identificação com os selecionáveis porque, talvez, eles apareçam mais na mídia fazendo qualquer outra coisa, menos jogando futebol.

Baseado nessas informações, eu entrevistei Vinicius Lordello, a maior referência no Brasil em reputação no esporte. Veja abaixo as perguntas e respostas.

Olhando para essa pesquisa do Datafolha, por que torcer/acompanhar futebol está ficando cada vez mais desinteressante para o brasileiro?

Eu penso que a Seleção Brasileira é responsável por esse desinteresse, não há uma conexão, ou melhor, não é uma desconexão do brasileiro com o futebol, o que há muito provavelmente é uma desconexão do brasileiro com a seleção masculina de futebol. E essa desconexão ela fica mais evidente quando a gente olha para os campeonatos e para a relação do brasileiro com seus times de coração. Então, se com um time de coração a conexão segue em alta, o desinteresse pela seleção brasileira na Copa do Mundo, pode partir de um desinteresse pela seleção e não pelo futebol em si. 

Os jogadores brasileiros que eram mais reconhecidos por nascerem e jogarem pela seleção brasileira pentacampeã de futebol estão aparecendo na mídia, ultimamente (o que já faz um bom tempo) em páginas policiais. É o caso do goleiro Bruno, do atacante Robinho e mais recentemente de Daniel Alves. Como isso, aproveito para fazer três perguntas em uma só: como isso atrapalha a experiência de quem torce ou admira o esporte? Você acha que muda algo efetivamente para quem gosta do esporte, ou só dá “pano pra manga” para quem critica? Isso afeta a reputação do esporte de forma geral?

Na NBA, por exemplo, um atleta, para chegar até lá, passa pelo college (esporte universitário). Então, de alguma forma, o indivíduo, ele é estimulado a ter contato com a educação e quando chega no profissional, ele além de ter passado por um processo de desenvolvimento educacional de cognição, ele trocou informação com outras pessoas que também tiveram esse desenvolvimento. No caso do Brasil, muitas vezes acontece o contrário, as pessoas são estimuladas a abandonar o estudo para seguir o sonho de se tornar um jogador ou jogadora profissional.

E aí, quando conseguem, nesse caso, chegam despreparados para lidar com tudo que envolve esse crescimento, financeiro inclusive. Então, nós temos jogadores profissionais ricos, mas que ascenderam rapidamente, que não estão preparados, tecnicamente, emocionalmente, cognitivamente para serem ricos. E aí, esse despreparo gera uma relação atordoada, uma relação ruim com a sociedade. E é a sensação de que tudo podem. Daí chegar a um ambiente em que um crime é praticado, considerando que aquele crime sequer era praticado, porque na cabeça de algumas pessoas, a sociedade engole, a sociedade precisa aceitar, acatar o que ele deseja, porque afinal, ele é um grande ídolo e um grande ídolo rico.

Exemplificando, e já guardadas as devidas proporções, a violência é um fator que expulsa qualquer pessoa de qualquer lugar, ou seja, um fato que não é restrito ao futebol ou ao esporte. Porém, a cultura esportiva, no caso do Brasil, a “futebolística”, desenvolve ao longo dos anos batalhas de rivalidade que são maiores fora de campo do que dentro de campo. É possível observar os casos de mortes recentes, como o caso da torcedora Gabriela Anelli, múltiplos confrontos de indivíduos que no coletivo se identificam de torcidas organizas entre outras formas de violência que fazem surgir punições e sanções como a de torcida única em dia de clássico. Qual é a imagem que esses acontecimentos passam para a comunidade esportiva? O futebol perde o brilho, ou até mesmo podemos dizer que ele perde o sentido?

A relação com a idolatria é sempre muito interessante e ela acontece além do esporte. Ela acontece no campo da música, das artes de uma forma geral tem acontecido dentro da política. Hoje a relação que muitos têm com política é muito mais de idolatria do que de compreensão política e social, de forma tal que a Idolatria no esporte é importante e lida como uma figura interessante da vida de todo mundo que é a relação com a vitória e com a derrota.

A gente naturalmente tende a escolher os vitoriosos, os vencedores como ídolos. A gente não tem um histórico de idolatria em relação aos perdedores. Isso é interessante, porque de alguma forma se transforma em algo aspiracional, né? Eu desejo ser como meu o ídolo que vence, então você se estimula a vencer também. Mas a vida não é só vitória, ela tem muitas derrotas e isso pode desencadear algumas sensações que beiram a frustração. E nós vivemos em uma sociedade que tem lidado cada vez com mais dificuldade com as frustrações. Tudo parece ser muito fácil, porque num mundo paralelo, num mundo cibernético, virtual, a gente consegue tudo que quer. 

E a globalização, qual é o papel nessa idolatria?

Antes as informações chegavam até nós, eram informações, não vou falar que exclusivamente, mas prioritariamente, do Brasil ou em relação aos brasileiros. Hoje o nosso acesso à informação é absolutamente amplo, quase que ir restrito, então é muito mais fácil de você conseguir ter como ídolo, não é alcançar como ídolo um indivíduo que seja não só argentino, que é do mesmo continente que nós, como português, eventualmente inglês, porque não africano, asiático. O online encurtou demais essas distâncias, mas ainda assim, o que se espera de uma relação com ídolo é que esse ídolo, repito, inspire quem o idolatra, e isso pode ser de forma técnica, vamos pensar no jogador de futebol, porque ele é muito bom driblando, ele vira ídolo, porque ele é muito bom fazendo gol, porque ele é muito bom defendendo, mas pode ser porque ele é muito bom falando, se posicionando, eventualmente porque faz muitas campanhas, essa relação com a idolatria ela transcende o desempenho técnico no campo de futebol.

E enquanto a violência, o quanto isso atrapalha?

A violência no esporte e que envolve mortes inclusive, ela aparta quem não tem uma relação profunda de consumo com o futebol com quem tem. Então, por exemplo, você tem ali aquele grupo familiar que sempre vai ao estádio, que procura, que estimula, que compra, que consome. Esse grupo pode ficar receoso, pode deixar de ir por um tempo, mas em algum momento volta. O que a violência aparta por absoluto são aquelas pessoas que poderiam ter um consumo eventual, que não são consumidoras do esporte, que não são consumidoras do futebol e que poderiam, eventualmente ir. Ter o futebol, o esporte como entretenimento e, por isso, escolher como se fosse um passeio ou outro qualquer, a experiência de ver um time em um estádio lotado. A violência aparta essas pessoas, essas pessoas preferem a tranquilidade e a segurança de ir a um teatro do que correr um risco dentro do campo de futebol. Claro, tem a questão de poder tomar chuva assim ou não, algum estímulo visual que não é o suficiente para aquela pessoa que não gosta tanto de futebol, mas que poderiam ser o suficiente. Quem tem uma boa relação pode eventualmente preferir em jogos que não são clássicos. Isso afasta as pessoas, afasta as pessoas que consomem, afasta o dinheiro e empobrece o segmento que depende do dinheiro para sobreviver. 

Vinicius Lodello é diretor de inteligência da Máquina do Esporte e professor da CBF Academy.