Felipe Ernesto

Quando o Líbano recebeu o Flamengo "errado" para um amistoso

Expectativa de ver o Flamengo carioca em campo terminou em surpresa com a chegada do Flamengo de Guarulhos

Flamengo de Guarulhos em amistoso no Líbano
Foto: Arquivo pessoal
Flamengo de Guarulhos em amistoso no Líbano
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Em 2003, o Líbano se preparava para receber um jogo histórico. O Nejmeh, um dos times mais tradicionais do país, enfrentaria o Flamengo em uma partida amistosa.

Porém, a delegação brasileira que desembarcou no Líbano não era exatamente do Flamengo que todos esperavam.

Quem chegou ao Oriente Médio para enfrentar o Nejmeh foi o Flamengo de Guarulhos . E a história por trás dessa viagem é bastante curiosa.

Quem é o Flamengo paulista?

O Flamengo-SP é um time fundado em 1954 em Guarulhos, cidade que fica na Grande São Paulo e é conhecida por abrigar o principal aeroporto brasileiro.

Ao longo dos mais de 70 anos de vida, o time nunca disputou um campeonato nacional. Em nível estadual, a agremiação também não teve grandes campanhas.

O auge do clube aconteceu em 2002, quando o Flamengo-SP disputou a fase final da segunda divisão do Campeonato Paulista .

O time acabou eliminado na semifinal para a Francana e ficou muito perto de conseguir o inédito acesso à primeira divisão do Paulistão.

No ano seguinte, em 2003, o Flamengo disputou novamente a segunda divisão do Campeonato Paulista e mais uma vez não conseguiu o acesso para a elite estadual.

Esse campeonato terminou em março, e como o Flamengo-SP não disputava nenhum campeonato nacional, o time ficaria sem calendário até o ano de 2004.

No meio desse período ocioso, o clube de Guarulhos foi convidado para uma excursão no Líbano, onde jogaria 3 amistosos contra times do Oriente Médio.

Em entrevista exclusiva à coluna, Ricardo Beires, presidente do Flamengo de Guarulhos entre 1999 e 2004, contou como surgiu o convite ao time.

“Uma comitiva do Rafic Hariri, primeiro-ministro do Líbano, veio ao Brasil para promover um intercâmbio entre Brasil e Líbano. Entre as áreas envolvidas, estava o futebol. A ideia era que o Flamengo realizasse três amistosos no Oriente Médio. Um em Beirute, no Líbano, outro em Damasco, na Síria, e um terceiro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos" , contou Beires.

O cachê para cada amistoso girava em torno de 60 mil reais, em valores da época.

Além dos amistosos, o plano da comitiva libanesa era criar escolinhas de futebol no Líbano que ficariam sob administração do Flamengo guarulhense.

Ricardo Beires chegou a embarcar para o Líbano para conhecer alguns locais onde poderiam ser construídas essas escolinhas e também para participar de uma entrevista coletiva onde anunciariam todos os detalhes da turnê do Flamengo pelo Oriente Médio.

"No Líbano, eu participei de uma coletiva de imprensa com vários jornalistas locais. Um repórter da Al Jazeera me perguntou se o Edílson participaria do amistoso" .

À época, Edilson Capetinha era jogador do Flamengo do Rio de Janeiro, o que deixou Ricardo Beires com mais dúvidas do que certezas.

"Pelo que eu percebi, os organizadores do amistoso estavam vendendo a ideia de que  participaria da partida o ‘Flamengo do Brasil’, e não 'Flamengo do Rio de Janeiro’ ou ‘Flamengo de Guarulhos’” , conclui Beires.

O ex-presidente do Flamengo de Guarulhos tentou esclarecer a confusão distribuindo cartões de visita com o escudo e informações oficiais do time paulista.

“Não sei se isso frustrou as pessoas, mas após entenderem que seria o Flamengo de Guarulhos que participaria dos jogos, foi mantido apenas o amistoso do Líbano. Os outros dois, na Síria e em Dubai, foram cancelados".

Ex-craque da Seleção Brasileira em campo

No Líbano, na única partida mantida na turnê, o Flamengo guarulhense pôde contar com a presença do ex-jogador Bebeto, convidado pelos organizadores locais para ser a estrela do amistoso.

Em 2003, Bebeto já havia se aposentado do futebol, mas aceitou o convite e embarcou para o Líbano para se encontrar com a delegação do Flamengo de Guarulhos.

O primeiro amistoso no Líbano seria contra o Nejmeh .

O Nejmeh Sporting Club é um dos times mais tradicionais do Líbano, fundado em 1945 e nove vezes campeão libanês.

O time já teve em seu elenco, mesmo que por apenas um jogo, o Rei Pelé . Em 1975, Pelé jogava pelo New York Cosmos e numa das muitas excursões que o time fazia pelo mundo, ele foi parar no Líbano.

Um dos compromissos do Pelé nessa excursão seria disputar um amistoso jogando pelo Nejmeh contra um time de estudantes universitários.

Nessa partida, o Pelé começou jogando como goleiro e somente aos 15 minutos de jogo foi para o ataque, mas não conseguiu marcar nenhum gol.

Esse confronto entre Nejmeh e estudantes universitários aconteceu em 6 de abril de 1975. Uma semana depois, em 13 de abril, começaria uma guerra civil no Líbano entre cristãos e muçulmanos que duraria 15 anos.

Porém, durante o jogo em que o Pelé esteve em campo, todas as diferenças religiosas foram esquecidas e mais de 30 mil pessoas se amontoaram nas arquibancadas do Estádio Olímpico de Beirute pra ver o Rei do Futebol em ação com a camisa do Nejmeh.

A grande atração do amistoso

Em 2003, o time do Nejmeh não teria Pelé, mas sim Bebeto.

Em entrevista ao jornal libanês L'Orient-Le Jour, Bebeto afirmou “estar encantado com o Líbano e que estava participando de jogos de exibição em diferentes países para compartilhar sua alegria de jogar e sua técnica com o maior número de pessoas possíveis, e que continuaria jogando enquanto tivesse condições físicas suficientes.”

O combinado para o amistoso entre Flamengo de Guarulhos e Nejmeh era de que o ex-jogador da Seleção Brasileira jogaria o primeiro tempo da partida pelo Nejmeh e a segunda etapa pelo Flamengo-SP.

O Flamengo-SP teria, então, pelo por um dos tempos da partida, o Bebeto em seu elenco. Mas precisaria de pelo menos mais 10 jogadores pra compor o time, já que a equipe não tinha mais calendário de jogos a cumprir em 2003 e todo o time que tinha disputado a segunda divisão do Campeonato Paulista havia sido dispensada.

"Tive que chamar um goleiro da Portuguesa e outros jogadores que estavam sem contrato. Muitos deles aceitaram viajar para o Líbano com a expectativa de assinar com algum time local, já que quatro ou cinco brasileiros jogavam pelo Nejmeh ", relembrou Beires.

O histórico amistoso entre Flamengo-SP e Nejmeh

O jogo entre Flamengo de Guarulhos e Nejmeh aconteceu no Estádio Camille Chamoun Sports City, o maior estádio do Líbano, com capacidade para quase 50 mil pessoas.

Durante o primeiro tempo do jogo, Bebeto teve a companhia de Moussa Hojeij no ataque do Nejmeh.

Aos 25 minutos de jogo, o jogador libanês se machucou e teve que ser substituído. Segundo reportagem do jornal L'Orient-Le Jour, a partir daí o Flamengo de Guarulhos dominou o jogo.

Por volta dos 30 minutos, Carlos Clay, de voleio, abriu o placar para o Flamengo. Cinco minutos depois, Fabrício, de cabeça, marcou o segundo gol brasileiro.

No intervalo do jogo, o ex-presidente do Flamengo Ricardo Beires, teve que fazer um verdadeiro esforço para conseguir reunir o seu time no campo para tirar uma foto ao lado do Bebeto.

“Eu fazia tudo sozinho, praticamente cobrava o escanteio e corria para a área para cabecear. Tive que correr para trocar a camisa do Bebeto, para que ele posasse uniformizado com o elenco do Flamengo. Geralmente essa foto dos jogadores é tirada antes da partida, mas nesse caso rolou no intervalo.”

No primeiro tempo, jogando com a ajuda do Bebeto, o Nejmeh não assustou o time brasileiro. Já no segundo tempo a história não foi diferente.

Aos 15 minutos da etapa final, Bebeto foi substituído e o Flamengo guarulhense ainda conseguiu marcar o terceiro gol no final da partida, com Adriano.

O placar final mostrava Flamengo de Guarulhos 3, Nejmeh 0.

Mesmo com a provável confusão entre o Flamengo de Guarulhos e o homônimo carioca, Ricardo Beires acredita que a experiência de levar o time para jogar no Líbano foi bastante válida.

“Ficamos chateados por não termos disputado os outros dois amistosos, mas foi uma experiência interessante. Foi muito bonito ver o time entrando em campo no Oriente Médio com as bandeiras de Guarulhos e do Brasil".