
Para vocês, amantes fervorosos do cheirinho gostoso da borracha e da gasolina queimadas, não se cansarem das minhas opiniões, resolvi fazer um pouco diferente hoje para falarmos de Fórmula 1. Vou trazer um convidado muito especial e uma opinião, claro, muito mais embasada que a minha. Entrevistei um cara que anda um pouco sumido, quietinho cuidando dos negócios dele, mas que gentilmente aceitou conversar com a Borracha & Gasolina: o piloto Luciano Burti, que foi comentarista de automobilismo da Globo por 16 anos.
Trabalhamos juntos de janeiro de 2012 a março de 2021. Sempre prestei muita atenção nos comentários técnicos dele e confesso que estava curioso para saber como ele está vendo a temporada atual da Fórmula 1. Aproveitei para perguntar também para o Burti, como piloto de Stock Car que foi, o que ele está achando da maior categoria do país, que vai disputar a segunda etapa do ano no próximo fim de semana, em Interlagos.
Então, é só conferir abaixo a íntegra desse bate-papo bem legal que fizemos por telefone. Divirta-se!
Borracha & Gasolina: Como você analisa a temporada 2021 da Fórmula 1 até aqui?
Luciano Burti: É uma temporada melhor que a do ano passado e tenho certeza que isso tem um motivo técnico que vai ser um aprendizado para a Fórmula 1, que está sempre em busca de maior equilíbrio e competitividade. Quem vence mesmo são os carros, a história mostra isso, e a diferença financeira entre as equipes é muito grande. Logo, para atingir essa competitividade, não faz sentido fazer um carro novo todo ano, porque quem tem mais grana vai sempre levar muita vantagem. Com a pandemia e os carros sendo basicamente os mesmos do ano passado, com pequenas alterações, a Red Bull cresceu. Desde que deixou de ser campeã, a equipe sempre demora de um quarto à metade da temporada para ser mais competitiva, mas agora já largou na frente brigando com a Mercedes. É muito bom ter o Verstappen na briga com o Hamilton, e que a Fórmula 1 aprenda que trocar de carro todo ano não é bom para o campeonato.
B&G: Realmente, havia muita empolgação nas primeiras corridas do ano com o duelo Mercedes x Red Bull, mais particularmente Hamilton x Verstappen, mas as duas últimas provas mostraram a superioridade da Mercedes. Já dá para dizer que acabou o equilíbrio e pintou o campeão?
LB: Ainda não. O Hamilton tem preparado e acertado muito bem o carro para as corridas, porque é gênio, mas também porque tem muita experiência e está com muita confiança. É o desgaste dos pneus que manda na Fórmula 1 de hoje e o Hamilton tem administrado os pneus melhor do que todo mundo. Ele abre mão de um, dois ou três décimos no tempo de uma volta rápida, até larga de vez em quando atrás do Bottas ou do Verstappen, mas nenhum dos dois consegue competir com ele em ritmo de corrida. A Mercedes tem o melhor carro, sem dúvida, mas a filosofia técnica do Hamilton para preservar os pneus está fazendo a diferença. No último GP, o Verstappen via pelo retrovisor que o Hamilton tinha muito mais aderência, se mantendo bem por dentro nas curvas, sem espalhar. Por isso, o Verstappen falou pelo rádio que não tinha muito o que fazer. Mas vamos lembrar que a Red Bull já está com o carro pelo segundo ano e tem Adrian Newey, que, mesmo com a limitação de regulamento, pode vir com alguma novidade ao longo do campeonato.
B&G: Nas transmissões, você sempre ficava muito ligado nas estratégias das equipes. Neste último domingo, no GP da Espanha, foi exatamente a estratégia que definiu o vencedor?
LB: A estratégia acabou se destacando, mas o Hamilton passaria o Verstappen de qualquer jeito, porque ele conserva muito mais os pneus. Seria mais dificil se não parasse para trocar pneus, mas ultrapassaria de qualquer forma. É fácil falar agora, mas acho que a Red Bull deveria ter reagido e parado na volta seguinte, já que a troca deles é sempre muito rápida. Como ela tem uma desvantagem técnica, tem que seguir a estratégia da Mercedes, não dá para inventar. Acho que deram muito destaque à estratégia, mas não foi ela que definiu a corrida. Essa disputa vai ser assim o ano todo, principalmente dependendo da pista.
B&G: Por falar em pista, a próxima corrida é em Mônaco, com características bem particulares. Quem é favorito no principado?
LB: Nos outros anos, com a Mercedes bem à frente da Red Bull, elas se aproximavam demais em Mônaco. Esse ano, então, do jeito que estão mais competitivas e próximas, vai ser ainda mais disputado e largar na frente vai fazer toda a diferença. O Verstappen consegue ser, às vezes, mais rápido que o Hamilton em uma volta lançada. Se ele conseguir a pole, não errar na estratégia e não fizer besteira na corrida, tem grandes chances de vencer. Mônaco é uma boa oportunidade para a Red Bull voltar a encostar na Mercedes na classificação.
B&G: Falando um pouco mais do Hamilton, você imaginaria poucos anos atrás que algum piloto poderia chegar a 100 poles?
Você viu?
LB: Não imaginaria e não apostaria. O cara é um gênio tipo Schumacher e Senna. O diferencial do Hamilton é que, em todos os anos da carreira, ele teve um carro vencedor nas mãos, o que não aconteceu nem com Senna, nem com Schumacher. Os números incríveis do Hamilton são o resultado de um cara brilhante e sempre muito bem equipado. E olha: o cara vai possivelmente para o oitavo titulo, vai somar mais de 100 poles e deve passar das 100 vitórias esse ano. Ele só assinou com a Mercedes em fevereiro, muito tarde, então não duvido nada que pare no ano que vem. O cara está cansado, a fim de curtir a vida e o que mais ele tem para fazer na Fórmula 1 depois de todas essas marcas? Não duvido que ganhe mais um campeonato e pendure as sapatilhas.
B&G: Você acredita que um dia essas marcas que o Hamilton já conquistou e ainda pode conquistar serão quebradas por algum outro piloto?
LB: Acredito, sim. É difícil, mas não impossível. Hoje, se todo mundo tivesse o mesmo carro no grid, acho que quem ganharia mais corridas seria o Vertappen, pelo talento e pela vontade que ele demonstra por ainda não ter vencido um campeonato. Mas a dificuldade é exatamente ele estar no melhor carro para tentar buscar essas marcas. Acho que para o Leclerc e o Verstappen já está muito difícil, porque, para um piloto fazer o que o Hamilton fez, tem que vir vencendo desde o primeiro ano na Fórmula 1.
B&G: Se o Hamilton é um fora de série, prestes a chegar à sua centésima vitória, outro piloto vem chamando muita a atenção, mas pelo aspecto negativo. O que você pode falar sobre Nikita Mazepin?
LB: Esse é o lado negativo da Fórmula 1, que sempre existiu. Aquelas equipes do fundo estão sem grana. A série do Netflix (Dirigir para viver) mostra bem o Günther (Steiner, chefe da equipe Hass) em uma reunião com patrocinadores tentando arrumar grana. É muito dificil. O Mazepin veio da Fórmula 2, é verdade, mas não tem nível para estar na Fórmula 1. E aquele problema que ele teve nas redes sociais no ano passado o queimou demais. Ele parece ser um cara mimado e folgado demais, não respeita bandeira azul e não merece estar na Fórmula 1. Mas a questão financeira o coloca lá e não duvido que continue por mais um tempo.
B&G: Como você está vendo a Ferrari, onde você trabalhou por três anos vencedores, como piloto de testes? Depois de um decepcionante sexto lugar no ano passado, a equipe está mostrando que pode, ao menos, brigar pelo terceiro contra a McLaren.
LB: Está mais que claro que a punição da FIA à Ferrari por causa do motor a prejudicou no ano passado. O carro tem algumas modificações na aerodinâmica, na entrada de ar na parte de cima e na entrada do radiador, por exemplo, mas a grande mudança é que o carro voltou a andar de reta. Vai ser uma briga boa, mas acho que a Ferrari leva vantagem contra a McLaren, que também melhorou com a troca do motor Renault pelo Mercedes. Importante falar também que a Ferrari está focando na temporada que vem mais do que nesse ano para, quem sabe, voltar a brigar por vitórias e até títulos. E está certa em fazer isso.
B&G: Um dos trunfos da Ferrari é o Leclerc. Você o vê com potencial para ser campeão do mundo um dia?
LB: Sem dúvida. Eu destacaria ele e o Verstappen como futuros campeões. Sobre o Leclerc, de cara você vê que ele tem um talento natural, já chegou à Fórmula 1 vencendo e andando na frente. O Vettel saiu da Ferrari por causa do talento de Leclerc, que tem essa velocidade natural e é muito perfeccionista. Ele é autocritico até demais e antes de botar a culpa na equipe sempre tenta ver onde errou. Além disso, está sempre falando em trabalho e evolução, mostrando que é um cara maduro.
B&G: Mudando de categoria, teremos a segunda etapa da Stock Car neste fim de semana. O que você achou da primeira etapa em Goiânia e o que você espera das próximas corridas, agora, em Interlagos?
LB: Eu notei na primeira etapa, e até conversei com o Ricardo Maurício, meu companheiro de pedal (os dois pedalam juntos em Sâo Paulo), que o novo formato, sem reabastecimento na segunda corrida e sem parada no grid entre uma corrida e outra para recalibrar os pneus, favoreceu muito as equipes melhores. Ano passado, o piloto abastecia pouco na primeira corrida, vencia, mas abria mão da segunda. Agora, voltou a Stock de antigamente em que o melhor carro vai ganhar. Deve ter uma disputa boa entre os tricampeões Ricardo Maurício e Daniel Serra, com o Thiago Camilo tentando entrar nessa briga, e uma polarização entre as equipes do Meinha e do Andreas Mattheis. Eu voltaria com o regulamento antigo para dar chance aos outros também. Se nada mudar, vai ser uma temporada com poucos vencedores. Para Interlagos, vai aumentar o tempo das corridas (cada corrida terá 30 minutos + 1 volta) e favorecer ainda mais os carros mais equilibrados.