Bandeira inclusiva do Sport Club do Recife
Arquivo pessoal
Bandeira inclusiva do Sport Club do Recife



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No Brasil, mais de 30 torcidas fazem parte de um movimento de inclusão no futebol.

Tem até torcida de um time grande que se inspirou em outra, “rival” (entre aspas mesmo, já que rivalidade, de fato, não existe entre elas).

Isso porque são pessoas que, movidas pelo amor ao esporte e pela necessidade de um mundo mais acolhedor, transformaram o medo e a exclusão em esperança e pertencimento. Pais de filhos atípicos, mostram que os estádios de futebol também podem ser um lugar de abraço e compreensão. 

Autistas da Ilha

No Dia Mundial do Autismo, celebrado nesta quarta-feira (02), o Portal iG  traz histórias de famílias que mostram ser possivel quebrar barreiras e marcar presença nos jogos sem qualquer risco de desentendimento com uma torcida do outro time.

Elas nem falam em serem adversários, mas, sim,  em serem unidos. E, assim, trazer mais paz ao futebol.

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Frequentador de estádios desde os cinco anos, Eduardo Pedrosa, torcedor do Sport Club do Recife, vai aos jogos com o filho de 12 anos, autista nível de suporte 1.

“Comecei a levar meu filho quando ele tinha em torno de 4, 5 anos. Eu sou 'rato' de estádio, e fui presidente da torcida organizada, que é a segunda de escalão maior, chamada Gangue da Ilha”.

Família reunida no jogo do Sport Club do Recife
Arquivo pessoal
Família reunida no jogo do Sport Club do Recife


Estrutura e bandeira

Eduardo destaca as dificuldades de infraestrutura nos estádios para receber esse público, especialmente em Recife.

“O Sport abraçou em certas ocasiões, fazendo campanhas, deixando a gente colocar faixas e bandeiras no meio da sede, coisas que não eram permitidas há mais de 20 anos. A gente acabou colocando, mas precisa de muito de estrutura, e eu não quero mídia, eu quero estrutura”.

Para o torcedor do Sport, a importância de espaços como salas sensoriais nos estádios é fundamental para garantir a inclusão e o bem-estar das famílias atípicas.

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"A sala sensorial em todos os lugares é um meio de acessibilidade para este público, assim como rampa para um cadeirante, como um piso tátil, para um deficiente visual, um intérprete de libras. Com esses recursos as famílias atípicas podem estar de corpo presente, sem medo de uma eventual crise", conta Eduardo.

Apesar dos desafios, o movimento tem ganhado força. "Hoje a gente cresce exponencialmente, é muito bom isso", afirma Eduardo. Ele também menciona o apoio de torcidas organizadas como a do Curitiba, Fortaleza e Vasco.

Bandeira dos Autistas da Ilha, Sport Club do Recife
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Bandeira dos Autistas da Ilha, Sport Club do Recife


Ele explica que em 2020 começou a planejar como seria a bandeira da torcida inclusiva do Sport, mas veio a pandemia e o projeto parou.

“Quando a CBF, as federações, decidiram que ia continuar com o campeonato e que poderia botar a faixa nos estádios, eu fiz uma bandeira com o símbolo do autismo, e com três datas em cima, que seria 1905, uma de fundação do Sport, 1988, que é um ano de fundação da Gangue da Ilha, e 2012, que é o nascimento do meu filho. Acabei me tornando a primeira pessoa a botar uma bandeira do autismo no estado de futebol, em torcida organizada de escalão”, finaliza. 

Inspiração em torcida de outro time

Rosângela Barbosa, torcedora do São Paulo, sempre frequentou estádios. Mãe de Lucas, 18 anos, e de João Pedro, 6 anos, deixou de acompanhar os jogos nos estádios após o diagnóstico do caçula, aos 2 anos e meio, por receio das dificuldades sensoriais para o filho.

Rosângela e o filho no Morumbis
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Rosângela e o filho no Morumbis


"Deixamos de ter esse momento de lazer em família no estádio por medo. Nós que convivemos com pessoas que têm transtornos de processamento sensorial, nós sabemos que estar em locais com barulho em excesso, aglomeração, pode ser muito estressante".

A busca por iniciativas semelhantes a levou a descobrir a torcida Autistas Alvinegros, do Corinthians, e a inspirou a fundar a torcida inclusiva do São Paulo.

Atualmente, o Brasil contabiliza 36 movimentos de torcidas inclusivas espalhadas, de norte a sul. “O meio que nós utilizamos de conscientizar a população usando futebol, é de extrema importância. A gente consegue alcançar todo um público para fazer esse trabalho de conscientização". 

A mobilização das torcidas inclusivas tem chamado a atenção de clubes e até mesmo da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Rosângela celebra o apoio recebido:

"Para nossa surpresa, os clubes, inclusive a CBF, estão se adaptando. A gente vê que o clube abraçou as nossas torcidas em prol da conscientização, de falar mesmo sobre o tema, de falar que pessoas que estão dentro do espectro devem estar onde elas quiserem estar", finaliza Rosângela. 

Família unida na sala sensorial do clube paulista
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Família unida na sala sensorial do clube paulista


Santos FC

A torcida inclusiva chegou também ao Santos Futebol Clube. O pequeno Kauan, de 10 anos, também já conseguiu entrar em campo com os ídolos e ver de perto o mundo da bola. "Dar essa oportunidade para eles de poderem participar desta experiência é incrível. O espaço reservado para eles, o cuidado que eles têm com nossos filhos, isso nos deixa muito feliz”, celebra Mary dos Santos Lisboa, mãe de Kauan. 

"Sou muito grata por isso, por ver que por mais que tenha dificuldade em algumas outras coisas, estamos tendo caminhos abertos para nossos filhos em outros lados e isso é gratificante demais", completa.

Kauan é torcedor do Peixe e já entrou com os ídolos em campo
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Kauan é torcedor do Peixe e já entrou com os ídolos em campo


O movimento das torcidas inclusivas no futebol brasileiro demonstra que, com informação, conscientização e apoio, o esporte mais popular do país pode se tornar um espaço acolhedor para todos.

“O autista não é um mundo à parte, ele não tem que estar no mundo à parte. A sociedade tem que se voltar para as pessoas que estão dentro do transtorno, do espectro autista, como as demais eficiências, porque a gente também é inclusivo", finaliza Rosângela. 

Futebol: torcidas inclusivas levantam bandeira da conscientização
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Pai e filho curtem jogo em família

Live com torcidas inclusivas

A iniciativa de dar voz e visibilidade a essa causa encontrou um importante canal de divulgação no YouTube, o Podcast Neurodivergente, idealizado por Vinicius Ribeiro e Jeanne Cavali, pais de filhos autistas.

"O canal foi criado há cerca de um ano e meio com o objetivo de elucidar algumas questões importantes sobre o autismo. Um dos grandes objetivos era poder se tornar pais melhores para os nossos filhos e poder ajudar outras pessoas que precisam de informação, principalmente disseminar informação", explica o jornalista Vinicius Ribeiro ao iG. O projeto, que já conta com cerca de 20 episódios, busca informar e conectar famílias, especialistas e terapeutas.

A ideia de criar um episódio sobre torcidas de futebol inclusivas surgiu a partir do encontro de Vinicius com Eduardo, do Sport, e Rosângela, do São Paulo.

Vinicius conta que, ao acompanhar um jogo do tricolor com o filho, percebeu o potencial de contar essa história: "Achei que valeria muito a pena a gente contar a história deles. A gente achou importante disseminar também essa informação que vários clubes possuem torcidas, e isso tudo por iniciativa dos próprios pais e familiares".

Autismo no Brasil

O transtorno do espectro autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por desenvolvimento atípico, manifestações comportamentais, déficits na comunicação e na interação social, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados, podendo apresentar um repertório restrito de interesses e atividades.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que 2 milhões de brasileiros tenham autismo, o que corresponde a 1% da população. No entanto, o número pode ser maior, já que o Censo 2022 incluiu uma pergunta sobre o tema, mas um novo censo será realizado em 2032.

A pergunta "Já foi diagnosticado(a) com autismo por algum profissional de saúde?" foi incluída no Questionário de Amostra do Censo 2022, por determinação da Lei 13.861, de 18 de julho de 2019. O questionário de amostra é mais detalhado e aplicado a uma parcela menor da população.

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