Com quase cinco anos de diferença, as tragédias da Chapecoense e Marília Mendonça se resumem a dor e saudade. Enquanto o laudo pericial do acidente da cantora não é protocolado, o incidente do Verdão do Oeste apresentou ' falhas humanas ' do começo ao fim.
Para explicar as circunstâncias que envolvem ambos acidentes, o LANCE
chamou o doutor em gerenciamento de riscos e segurança pela Universidade do Estado da Califórnia, Geraldo Portela. Apesar da diferença significativa entre os portes das aeronaves, o especialista pondera que os casos assemelham-se em determinados aspectos.
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É possível ligar os acidentes aéreos da Chapecoense e Marília Mendonça?
- A principal semelhança é o de fato que ambas são voos contratados. Não são voos comerciais, onde você tem uma rotina de voos que se encaixam. A aviação comercial segue um rito de fiscalização e rigor específico, enquanto a aviação geral tem como objetivo flexibilizar horários para clientes. Os dois acidentes envolvem VIP´s, que são personalidades com repercussão na imprensa e que mobilizam milhares de pessoas, seja em um estádio de futebol ou numa arena de show. Então, eles precisam cumprir horários - disse o autor de livros sobre o tema nos Estados Unidos e Reino Unido.
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- Isso tem acontecido em outros casos de acidentes aéreos: muitas vezes, a agenda do cliente é muito rígida e esse fato pode exercer alguma pressão sobre a tripulação e companhia aérea. Mas os também têm diferenças claras. No caso da Chape, você tinha um numero de passageiros bem maior e a agilidade da aeronave não era igual de uma pequena, que poderia pousar em aeroportos menores - completou.
Nos últimos anos, vimos alguns acidentes envolvendo aviões de pequeno porte. Esses aviões estão mais propensos à acidentes do que os Boeing? Por que eles não possuem caixa preta?
- Os aviões de pequeno porte normalmente são utilizados na aviação geral, que tem requisitos diferentes. Isso não significa que são inseguros. Mas quando você contrata um taxi aéreo, você assume riscos de horário para o cumprimento da agenda com cliente. Esse tipo de aviação é mais propensa a ser alvo de pressões de prazos e programações muito intensas do que comparado a aviação comercial - analisou Portela.
- A caixa preta é um acessório que a aeronave pode ter ou não. Nas grandes aeronaves, ela é exigida e, nos voos fretados, ela é um acessório descartável. As empresas não estão muito preocupadas com isso. Não é obrigatório, então não tem um foco de atenção. Quem contrata esses voos não são pessoas especializadas em aeronaves - afirmou.
Assim como o da Chape, o avião da Marília caiu próximo ao aeroporto. Isso é comum?
- Temos que reconhecer que as operações de pouso e decolagem são as mais críticas da aviação. Depois que decola e estabiliza, a gestão do voo é bem mais tranquila. Mas a operação de pouso e decolagem é onde envolve a questão da aproximação, envolve uma situação limite dos pilotos. Não é uma coincidência. É por isso que há uma frequência maior de acidentes nessas situações. No caso da Marília, a aproximação era em um local em que os pilotos não deveriam ter tanta frequência e haviam obstáculos muito próximos do trajeto quando houve alguma falha.
- No caso da Chape, a situação era outra. Você tinha no comando, o gestor da companhia aérea, o gestor do voo e piloto, tudo em uma só pessoa. Dentro desse trabalho todo, existam questões comerciais envolvendo a despesa com combustível e o histórico da companhia aérea e do piloto. A ideia era economizar tempo e dinheiro sem o reabastecimento. Por serem as operações mais críticas, se houver algum problema nessas questões, esses problemas aparecem à tona.
No acidente envolvendo a Chape, em que pontos é possível apontar falhas humanas?
- O avião da chape caiu por uma série de falhas humanas e pessoais, tanto envolvendo a gestão quanto a controladoria aeronáutica. Por exemplo, o fato do piloto ser também gestor da companhia aérea. Havia o interesse de performar economicamente o voo, reduzindo abastecimentos e tentando agradar os clientes, já que uma parada para reabastecer atrasaria o trajeto. Essa foi uma falha humana. Como gestor, ele errou em não fazer o abastecimento. Além disso, como piloto, ele deveria observar as condições de seus instrumentos, que indicavam que ele não tinha mais combustível suficiente para fazer um voo.
- A comunicação com a torre de controle também apresentou falhas em ambas as partes. Mas há de se compreender que a controladora não sabia do nível crítico de combustível da aeronave. Era uma vulnerabilidade bancada por esse comandante que, na verdade, era um gestor pretendendo economizar no seu voo. Ele não tinha interesse em ser explicito e a torre não levou em consideração a possibilidade deles estarem praticamente sem combustível.
Houve falha em cálculos para o uso de combustível?
Os pilotos já saem com os cálculos de uso de combustível feitos. Não se pode sair no limite. Houve erro humano de planejamento de voo. E mesmo que durante o voo ele percebesse que não haveria combustível para completar o trajeto, ele poderia, bem antes de chegar no limite, fazer um pouso adicional para reabastecimento. Não é normal na aviação decolar sem essa reserva. Aconteceu por ele ser um gestor focado em reduzir custos. Se fosse outra pessoa, o piloto certamente reclamaria com a empresa. Sozinho, ele tomou decisões que resultaram nessa catástrofe.