Alcançar o topo da carreira de surfista no Brasil por oito vezes e o vice-campeonato mundial outras duas não bastou para tornar fácil a vida da cearense Silvana Lima, 31, principal representante brasileira no esporte.
Sem patrocínio durante a maior parte de sua carreira, Lima, que viveu toda a infância com a mãe e quatro irmãos numa cabana de madeira na praia, precisou improvisar para seguir em frente em um esporte no qual a imagem pode se tornar mais importante que o próprio desempenho do atleta.
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"Para as marcas de 'surfwear' (principais patrocinadores do esporte), a gente tem que ser modelo e surfista ao mesmo tempo. Então quem não é tipo modelinho acaba não tendo patrocínio, como foi o meu caso. Você acaba ficando de fora, é descartável", diz. "Os homens não têm este problema."
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Sem atender aos padrões de beleza das surfistas que chama de "modelinhos", a solução para seguir em frente foi transformar o quintal de casa em canil e bancar passagens e inscrições em torneios com a venda de filhotes de seu casal de buldogues.
"Os cachorrinhos de duas ninhadas - uma de 6 e outra de 7 (cães) - ajudaram muito nas viagens. Fui campeã na Nova Zelândia graças aos filhotes, que pagaram essa viagem e outra para Pantin, na Espanha, onde fui campeã de novo."
Para efeito de comparação, passagens de ida e volta para a Nova Zelândia, onde são realizados alguns dos principais torneios do esporte, não saem por menos de R$ 5 mil.
Prancha improvisada
Você viu?
À BBC, no caminho entre sua casa, em Itabuna (BA), e a praia onde treina diariamente, em Itacaré, Lima se emociona ao lembrar da infância e mostra que apelar para o improviso para atingir objetivos não é novidade na vida da atleta.
"Minha primeira prancha foi um pedaço de madeira. Inventei uma forma de fazer um buraco nela e colocar uma quilha", diz. "Comecei a gostar e pôr parafina, como se fosse uma prancha de verdade mesmo, já que não tínhamos dinheiro para comprar uma."
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Já o primeiro equipamento de verdade chegou quando completou 15 anos - a prancha foi presente de um dos irmãos. "A partir daquele momento a minha vida mudou", conta, enquanto se alonga para entrar no mar.
O que ainda não mudou é a relação difícil com parte da família. "É difícil para mim falar do problema da minha mãe com álcool", diz. "Quando ela saía para beber cerveja, costumava me levar junto, porque eu era a mais nova. Isso me machuca porque eu ficava com fome, pedia para irmos para casa, mas ela não queria".
"Hoje o que eu queria muito é que minha família fosse mais próxima", diz. "Minha mãe nunca me telefonou em 13 anos, desde que eu saí de casa. Sou sempre eu ligando e isso me deixa triste."
A atleta, pela primeira vez, chora. "É tão bom ver os fãs loucos pelo esporte, pela minha história, pelo meu surfe. Quando um vem e pede uma foto, pergunta como estão as coisas, pede para conversar, eu gosto muito, muito, muito", afirma. "Sei que muita gente gosta de mim, mas... É um orgulho bobo, mas às vezes eu gostaria de receber mais atenção da minha família do que de meus fãs. Eu seria bem mais feliz."
Com as vitórias no esporte e a chegada dos primeiros patrocinadores, Lima conseguiu tirar a família da cabana de praia e comprar uma "casa de verdade" para a mãe.
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"O surfe acabou me dando a oportunidade de ajudar minha família também", diz. "(Quando pequena) eu imaginava, nossa, como deve ser bom morar numa casa de verdade e ter vizinhos", lembra. "Eu pensava nisso o tempo todo. Ficava olhando para as estrelas e pensando: como será que é viver fora da praia? Viver no centro da cidade? Deve ser completamente diferente."
Se a surfista reclama de algo? A resposta é não.
"A dificuldade sempre está do meu lado e é bom até. Acho que isto é bom para a pessoa passar por cima. Acho que é bom para fortalecer a pessoa. Penso em antigamente, no que eu não tinha e no que eu tenho hoje. E isso dá mais valor, mais vontade de querer crescer cada vez mais dentro do esporte."
"Acho que estou bem", diz. "E quero mais."