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Futebol feminino do Brasil precisa se estruturar
Mowa Press
Futebol feminino do Brasil precisa se estruturar

Após a seleção brasileira se despedir da Copa do Mundo feminina de maneira dolorosa , em uma partida na qual não faltou luta, o futebol feminino nacional volta agora suas atenções para uma outra batalha.

Em meio a limitações de estrutura, de investimento e com espaço ainda precário para as categorias de base, jogadoras do futebol feminino entram em campo em busca de novos rumos.

"Futebol feminino sempre foi isso. Sempre foi assim com raça e vontade. Mas a gente sabe que, falando de evolução, precisa de muito mais trabalho e planejamento. Isso fará diferença", afirmou Mônica, da seleção brasileira, à ESPN.

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Meia da seleção brasileira na Olimpíada de 1996, Márcia Tafarel exige mudanças na CBF. "Precisamos de profissionais competentes e capacitados e planos de desenvolvimento que oportunizem o surgimento de talentos. As desculpas são muitas, mas as ações são poucas".

Já o coordenador de seleções femininas da CBF , Marco Aurélio Cunha, vê o problema na base. "Nós damos estrutura. O que falta é investir em outros níveis. Clubes com camisa pesada não costumavam ter time de futebol feminino. Agora, desenvolveremos seleção sub-18", comentou.

Mesmo com a exigência da CBF de que clubes da Série A tenham um time feminino, a sensação é de que falta um longo caminho a percorrer.

"Surgiu maior oferta para as me-ninas e aumentou a competitividade. Porém, são poucos clubes que investem de verdade. Quase não temos trabalho de base, fundamental para nosso desenvolvimento. Isto reflete no nosso estilo de jogo e nas convocações da Seleção", detalhou a atacante do Flamengo, Flávia Giovanna. 

Gerente do departamento de futebol feminino do Internacional (criado em 2017), Duda Luizielli prevê. "Não será um retorno imediato. A França investiu quase dez anos, a Inglaterra faz um trabalho 'de formiguinha'. Mas daqui a dois Mundiais, já devem surgir atletas de ponta".

REIVINDICAÇÕES DO FUTEBOL FEMININO

Sereias da Vila

Investimento nos clubes de Série A no futebol feminino só existiu nos últimos anos. Fomentação da base é recente (Rener Pinheiro / MoWA Press)

Categorias de base

A fomentação da base dos clubes só começou a existir nos últimos anos no futebol brasileiro. Jogadoras questionam que a inexistência deste trabalho inicial afetam o aprimoramento da qualidade técnica. Além disto, gerações passadas já começavam suas trajetórias entre as profissionais

Calendário

O futebol feminino ainda carece de competições de nível nacional e estadual, mesmo com a obrigatoriedade de que clubes da Série A tenham uma equipe feminina. Contudo, a partir deste ano haverá uma mudança: a criação da Série A1, que englobará 36 clubes. O regulamento será o mesmo da elite (fase de grupos, quartas de finais, semifinais e final)

Profissionalismo?

Outra queixa é a necessidade de uma profissionalização maior, com processos a longo prazo e levando pessoas competentes tanto na CBF quanto em outras federações. A conduta da entidade máxima do futebol nacional é alvo de questionamentos

Dependência

A sensação de que a Seleção Brasileira tem ficado restrita a talentos individuais prossegue. Jogadoras como Marta, Cristiane e Formiga surgem como “chaves” da equipe canarinha

Visibilidade

O apelo de maior espaço para as competições nacionais é pedido. Há a sensação de que o futebol feminino ganha evidência apenas quando ocorre a disputa dos Jogos Olímpicos ou da Copa do Mundo feminina

Preparação

Há questionamentos da maneira como as jogadoras vêm se cuidando na Seleção Brasileira. Camisa 10, Marta “cobrou” as atuais jogadoras para saberem se valorizar e conseguir o desenvolvimento do seu futebol

FUTEBOL FEMININO EM DEBATE

Brasil x França - Gol França

Busca por excelência torna-se um desafio (Foto: LOIC VENANCE / AFP)

COM A PALAVRA

'Quando jogaremos como grupo?'

M ARCIA TAFAREL (ex-meia da seleção brasileira)

Há muito a melhorar. Antes tínhamos a seleção e não se conseguiu resultados. Aí, jogadoras tiveram a chance de ir para fora e as desculpas são as temporadas diferenciadas, não há como juntar o grupo. Existe muita desculpa na gerência e na técnica. Está ficando chato. Só temos talentos individuais. Quando vamos começar a jogar como grupo? A gerenciar o futebol com profissionalismo e competência, buscando ver o que está errado e nos voltando em prol de uma excelência?

COM A PALAVRA

'Risco de talentos se perderem'

DOROTÉIA DE SOUZA (Treinadora da Ponte Preta)

A CBF e a FPF têm nos dado suporte. Mas alguns clubes não têm condições de investir em futebol feminino de maneira forte. Seria importante ter apoio de iniciativa privada. Já perdi muitos talentos porque não tinham condições financeiras de ir ao local do treino no clube em que trabalhei. Elas pagavam para jogar futebol.

Aqui na Ponte Preta, a Prefeitura nos ajuda. Mas também sinto que precisamos de uma visibilidade maior da mídia.

COM A PALAVRA

'Momento ímpar para crescer'

DUDA LUIZIELLI ( Dirigente do Inter e ex-jogadora da Seleção)

Com a obrigatoriedade de que os clubes de Série A tenham um time feminino, acredito que este seja um momento ímpar para o país crescer nesta área. O importante agora é termos visibilidade. Já há rivalidades tradicionais entre os clubes da Série A. Tivemos um Gre-Nal aqui, nós do Inter fomos campeões gaúchos!

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Mas é bom a mídia destacar que vai acontecer uma Série A1 (Segunda Divisão) do Brasileiro com 36 equipes. Tem de se voltar para clubes, não pensar só em futebol feminino em Olimpíada ou Copa do Mundo.

'DEVERÍAMOS TER MAIS COMPETIÇÕES'

Flávia Giovanna

'Só depende de nós, temos de nos valorizar' (Divulgação)

BATE-BOLA

FLÁVIA GIOVANNA - atacante do Flamengo

Em que acha que a organização do futebol feminino ainda precisa se aprimorar?
Apenas o estado de São Paulo mantém o calendário cheio, por conta da federação, que se preocupa em organizar uma forma de manter os clubes sempre em atividade. A CBF e as entidades deviam se organizar para termos mais competições em nível nacional.

O que achou do desabafo que Marta deu após a derrota da seleção para a França?
Concordo que nós temos total responsabilidade pelo nosso rendimento, que temos nos dedicar mais, nos alimentarmos melhor. Porém, a maioria das meninas não têm uma base familiar. Muitas vezes, não possuem orientações para se cuidarem e terem consciência do seu profissionalismo, até porque nosso país não é. Agora, em relação a essa nova geração que já tem vivência do profissionalismo, concordo plenamente. Só depende de nós, nós temos de nos valorizar.

Não ter o investimento de base afeta de que maneira vocês?
O trabalho da Seleção não é ensinar todos os princípios para nós. Isso tinha de ser desenvolvido pelos clubes. Nosso rendimento podia ser melhor e se desenvolver nacionalmente.

'QUESTIONARAM O TRABALHO SEM SABER', REBATE MARCO AURÉLIO CUNHA

Marco Aurélio Cunha

Marco Aurélio Cunha deixa em aberto futuro de Vadão (Lucas Figueiredo/CBF)

O coordenador de Seleções Femininas da CBF, Marco Aurélio Cunha, defendeu o trabalho realizado na Copa do Mundo feminina. Em entrevista ao LANCE!, ele desabafou sobre as críticas que ocorreram após a eliminação do Brasil para a França, no último domingo.

"O balanço não é de todo ruim. Com certeza, se não fosse um gol que eu achei irregular, contra a Austrália, nós estaríamos em primeiro do grupo. O que me incomoda é que as pessoas criticam o trabalho sem ter conhecimento do que passamos".

Questionado sobre o futuro de Vadão, Marco Aurélio foi lacônico. "Deixo nas mãos do presidente (Rogério Caboclo)".

Em seguida, o dirigente avaliou o processo de trabalho sob o comando de Vadão. A Seleção teve nove derrotas consecutivas em amistosos antes do Mundial.

"Muitos questionam por termos feito amistosos nos quais a Seleção treinava um ou dois dias. Só que as viagens, as temperaturas frias, eram para dar uma dimensão do que a gente ia enfrentar no Mundial", disse, comentando logo depois:

"Seria muito mais cômodo colocar a Seleção para jogar amistosos nos quais vencesse por 10 a 0. Mas isso não ia trazer um aprimoramento tático, dar bagagem".

Ao falar sobre as lesões que assolaram a seleção brasileira na Copa do Mundo feminina, o coordenador de seleções foi taxativo.

"Nós pegamos a Andressa em fim de temporada, depois de disputar Champions League feminina. Aí temos 17 ou 18 jogadoras que atuam fora do Brasil. É um desafio deixar a preparação física na maneira ideal. Agora, é gostoso ficar falando mal, criticando sem estar aqui".

Em relação ao desabafo de Marta sobre o futebol feminino , ele declarou. "Está coberta de razão. Jovem quer produto pronto. Não sabe que tem de ralar. Só quer ser titular por status. No Mundial, a Marta se dedicou e superou uma lesão".

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