Tradicionais rivais tiveram turbulências semelhantes nos meses seguintes à conquistas nacionais em 2009 e 2010
Flamengo e Fluminense venceram os Brasileiros de 2009 e 2010, respectivamente. Mas há mais semelhanças do que apenas a conquista de um título esperado por longos anos. Após os triunfos, vieram as crises. Se no segundo semestre de 2009 o clube da Gávea arrancou para a taça, os primeiros seis meses de 2010 foram capazes de abalar, e mudar, toda a estrutura campeã. O mesmo aconteceu nas Laranjeiras. Em ambos os casos, um fator principal: chapas de oposição venceram as eleições nas duas instituições, tornando as mudanças, e atritos, previsíveis e praticamente inevitáveis.
Voz dos presidentes: Peter Siemsen, do Fluminense, e Patrícia Amorim, do Flamengo, apontam mudança de filosofia como causa das crises
As rusgas no
Flamengo
começaram na renovação do contrato do técnico campeão brasileiro, Andrade. Ele alegou ter propostas para sair que não se confirmariam e dificultou o acordo, irritando o então vice-presidente de futebol, Marcos Braz. O dirigente foi nomeado pelo presidente em exercício no fim de 2009, Delair Dumbrosk, a quem Patrícia Amorim, que seria eleita no fim daquele ano, fazia oposição. Andrade ainda teria de aceitar Rogério Lourenço, técnico da base e da seleção sub 20, em sua comissão técnica. Amorim também venceria no Conselho Deliberativo, com seu candidato Sílvio Capanema levando a presidência. A nova presidente já dava sinais de que a sintonia com o departamento de futebol era frágil.
No
Fluminense
, também logo após o título brasileiro, assumiu Peter Siemsen, ferrenho opositor do antecessor Roberto Horcades, que viu o seu candidato, Júlio Bueno, não apenas perder a eleição, mas todas as cadeiras no Conselho Deliberativo. Sismsen não via com bons olhos a estrutura do departamento de futebol nem a figura que ocupava a vice-presidência do setor, Alcídes Antunes. Sismsen também não concordava com a interferência da patrocinadora Unimed no futebol. Como Andrade, Muricy Ramalho deixou de se sentir à vontade com a mudança de diretoria, perdendo respaldo que tinha no departamento.
O Flamengo começou a tropeçar em 2010. Jogou fora o inédito tetracampeonato estadual ao perder a final para o Botafogo. Andrade foi mantido, mas o clima não era o mesmo. Os atrasos de Adriano não encontravam na nova presidência a complacência da diretoria anterior. Andrade era cobrado por punições ao atleta, mas considerava que essa medida deveria partir da vice-presidência de futebol ou de Patrícia Amorim. Com a classificação aos trancos na Libertadores e seguidos atos de indisciplina, as mudanças eram questão de tempo.
Nas Laranjeiras, uma situação semelhante no início de 2011, mas ainda pior. Mesmo campeão brasileiro, o clube por muito pouco não foi eliminado na primeira fase da Libertadores, mesmo com Muricy, que deixaria o cargo antes do fim da fase de grupos. No Estadual, o clube também deixou a desejar e nem sequer chegou à final, disputada por Flamengo e Botafogo. Ainda passou o vexame de ser eliminado na Taça Guanabara pelo Boavista.
Trocas no futebol e estrelas na berlinda
No Flamengo as mudanças vieram com o fim da primeira fase da Libertadores. Braz e Andrade foram demitidos. Rogério Lourenço assumiu primeiro como interino, depois em definitivo, e ganhou sobrevida com a classificação para as quartas de final. Mas a queda diante da Universidad de Chile, aliada à frequência das notícias sobre Adriano nas páginas policiais, tornaram o ambiente insustentável. Em meio a notícias de noitadas, o Imperador trocou o Flamengo pela Roma, da Itália, no fim de maio. A crise se alastrou até ser estancada com a chegada de Zico, maior ídolo do clube, para comandar o futebol. Mas as acusações a Bruno pelo suposto assassinato de Eliza Samudio abriram uma crise sem precedentes na Gávea.
Times perdem seus “cérebros” e demoram a repor técnicos
Logo no primeiro semestre que sucedeu os títulos brasileiros de 2009 e 2010,
Flamengo
e
Fluminense
perderam seus principais organizadores de jogadas. No Flamengo, Petkovic, com idade avançada, já não conseguia atuar como no ano anterior e perdeu espaço. No
Fluminense
, Conca, o craque do Brasileiro de 2010, recebeu uma proposta milionária do futebol chinês e deixou o clube no fim do semestre.
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Em 2010, o
Flamengo
só conseguiria acertar com um técnico de ponta na reta final do Brasileiro, já no segundo semestre, em crise com a saída traumática de Zico e depois de testar Lourenço e Silas. A chegada de Vanderlei Luxemburgo não resolveu os problemas de imediato. O técnico penou para conseguir manter o time na Série A, o que ocorreu apenas na última rodada. Nas Laranjeiras, foram cerca de três meses até a chegada de Abel Braga em junho, mas o novo treinador também teve, e continua tendo, problemas para reaver o padrão da equipe campeã.
Problemas com patrocinadores
No
Flamengo
, os problemas com a Batavo, que pagava R$ 22 milhões para estampar sua marca na camisa em 2010, se agravaram apenas no segundo semestre, quando a situação de Adriano ficou insustentável e, pior, com o escândalo e repercussão do caso do capitão do time, o goleiro Bruno, acusado do assassinato de Eliza Samudio.
Já no
Fluminense
os atritos começaram pouco depois da troca de gestão, com nítida falta de entendimento entre o presidente da Unimed, Celso Barros, e do clube, Peter Siemsen.
No caso da Batavo, a empresa comunicou ao
Flamengo
que não renovaria o contrato em setembro e chegou a interromper os pagamentos por dois meses. Nas Laranjeiras, os atritos geraram uma inevitável especulação sobre o fim da parceria, mas as duas partes, a princípio, chegaram a um acordo para acabar com a briga que nitidamente se refletia no elenco tricolor, já que os principais jogadores têm seus salários custeados pela patrocinadora.
Técnicos campeões opinam
Para Andrade, as turbulências foram a soma da pressão da mídia, da mudança de filosofia da direção e da falta de resultados. “São dois clubes grandes que sempre estão na mídia e isso traz turbulências, é muita repercussão. Sempre vão surgir polêmicas. Surgiram comigo, antes de mim com o Cuca, problemas com a direção também. O clube grande vive de resultado. O resultado não apareceu, perdemos o Carioca, não estávamos bem na Libertadores, é complicado. É normal uma nova diretoria ter uma filosofia de trabalho diferente, como acontece também com uma mudança de treinador”, analisou.
Muricy Ramalho, por sua vez, saiu do
Fluminense
reclamando de falta de estrutura, mas não acredita que essa seja a principal causa das turbulências. A acomodação após a conquista de um título é o fato apontado pelo técnico como principal causa para a falta de resultados no período seguinte ao Brasileiro de 2010.
“No Campeonato Brasileiro é difícil manter uma ponta durante muito tempo. Isso é normal, ganhar um título acomoda um pouco. É difícil explicar. No Rio de Janeiro o que os clubes têm de melhor são os times. O
Fluminense
tem um dos melhores elencos do país e continua contratando. O Flamengo está outra vez no topo este ano, eles sempre montam bons time. A estrutura com certeza precisa melhorar, eles estão tentando. Precisam de centro de treinamentos, mas no Rio para achar um lugar para construir é difícil, tem de ser bem longe. O forte são os times, que são muito bem montados”, afirmou o técnico.
* Colaborou Samir Carvalho, iG Santos