É de conhecimento geral que algumas transações são feitas nas famosas janelas de transferências. Citarei um caso real, uma trágica situação da realidade futebolística. Mas, em decorrência da confidencialidade que permeia as negociações, os nomes das partes não serão revelados.

Um atleta brasileiro obteve a rescisão do seu contrato de forma unilateral pelo não recebimento de salários de um clube turco. Tudo de acordo com a legislação daquele país e com base no Regulamento de Status e Transferências de Jogadores da FIFA .

O jogador regressou ao seu país para procurar emprego e um clube brasileiro se interessou e o “contratou”. Entretanto, para sua surpresa, obteve a seguinte resposta da entidade máxima do futebol nacional ao tentar registrá-lo em setembro de 2018:

“Conforme informado pela Federação Turca. Foi uma rescisão unilateral do atleta. Por conta disso a transferência só pode ser feita na próxima janela em janeiro [de 2019]”.

Apenas para refrescar a memória: o atleta não recebia salários na Turquia desde o início de 2018 e conseguiu a rescisão de seu contrato em maio do mesmo ano. Ao retornar ao Brasil foi “contratado” por um clube nacional, mas não conseguiu ser registrado.

Tudo isso significa dizer que, por questões meramente administrativas, o atleta em questão está em condição idêntica a de um desempregado, posto que impedido de exercer sua profissão.

A negativa de registro se deu pelo previsto no artigo 47 do Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que possui a seguinte redação:

Artigo 47 - O pedido de transferência no TMS (Transfer Matching System – *que é o sistema internacional de transferência de atletas) só pode ser feito em um dos 2 (dois) períodos anuais de registro definidos pela CBF.

Parágrafo Único - Só é admitida a solicitação de transferência fora desses períodos caso seja comprovada a rescisão por mútuo acordo ou encerramento do contrato de trabalho desportivo no exterior antes do término da janela de transferência anterior, nos termos do artigo 6º do Regulamento da FIFA sobre o Status e a Transferência de Jogadores.

Na nossa leitura, o artigo 6º do Regulamento da FIFA, mencionado no regulamento nacional, protege a rescisão por justa causa e não por mútuo acordo, senão vejamos:

Os atletas poderão ser registrados em apenas um dos dois períodos anuais de registro fixados pela Associação competente. As Associações podem fixar diferentes períodos de registro para suas competições masculinas e femininas. Como uma exceção à esta regra, um profissional cujo contrato tenha expirado antes do final do período de registro poderá ser registrado fora deste período. As associações estão autorizadas a registrar tais profissionais desde que seja dada a devida consideração à integridade esportiva da respectiva competição. Nos casos em que um contrato tenha sido rescindido por justa causa, a FIFA poderá adotar medidas provisórias visando evitar o abuso, sujeito às previsões do artigo 22 - (tradução livre)

Note que não existe a previsão de “mútuo acordo” na regra internacional, porque ela protege aquele o atleta que não teve culpa na rescisão antecipada do seu contrato de trabalho. No entanto, nossa entidade nacional ao redigir seu regulamento, assim não entendeu.

Desta feita, um atleta que não recebia salários (alimentos) na Turquia é punido duplamente já que, em sua pátria, por interpretação e regulamentação equivocada da entidade nacional, ficou impossibilitado de exercer seu ofício até 10 de janeiro de 2019– quando da abertura da janela de transferências.  

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Reuters
Algumas transações são feitas nas famosas janelas de transferências

Detalhe, para piorar a situação, as inscrições para a competição estadual encerram-se dia 11 de janeiro de 2019. Considerando o fuso horário da Turquia (+ 5 horas) a efetivação de sua inscrição pode restar prejudicada para a primeira rodada do campeonato, ou seja, o problema se perpetua.

É lamentável que situações como a descrita acima ocorram no futebol. Como a entidade maior do futebol brasileiro não abre os olhos para a situação delicada de um atleta que simplesmente pleiteia o exercício de sua profissão e é punido duplamente? Esperamos que a interpretação transcrita no regulamento seja revista em breve para que outros atletas não sejam mais impedidos de atuar em situações análogas.

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